A campainha da fábrica toca no meio da tarde de quarta-feira (5). O local fica na Avenida Padre Leopoldo Brentano, de frente para o setor sul da Arena do Grêmio, e o produto confeccionado ali tem tudo a ver com o evento que se avizinha. A 10 dias de Venezuela x Peru, o primeiro dos cinco jogos a serem realizados em Porto Alegre pela Copa América, a Bandersul fabrica e vende bandeiras. Talvez por isso a demora em atender. Mais alguns minutos de insistência e Arlindo Schappo, 52 anos, aparece no portão.
Mas a cada pergunta sobre a competição, sobre a demanda de bandeiras do Brasil, sobre a procura por bandeiras dos países que jogam em Porto Alegre – a saber: Venezuela, Peru, Uruguai, Japão, Catar e Argentina, na primeira fase, além de dois confrontos indefinidos na fase de mata-mata – Arlindo franze um pouco mais o cenho e balança a cabeça repetidas vezes.
– Não, não. Nesses jogos aí o pessoal vende bandeiras mais baratas, quase descartáveis, que vêm de São Paulo. A gente vende muito para navios, ou para hastear em alguma sede de empresa, por exemplo. Essa aqui do estádio, do Grêmio, fomos nós que fizemos – conta.
Um pouco relutante, Arlindo posa para a foto segurando a bandeira do Brasil com o estádio ao fundo. A reação do microempresário representa bem a forma como o bairro Humaitá receberá a Copa América: com um pouco de curiosidade, algumas dúvidas sobre as regras em torno do evento e um bocado de indiferença. Embora ainda haja tempo até o início da competição, não há qualquer sinal visível de que a vizinhança está prestes a receber um evento que deve levar mais de 200 mil torcedores ao bairro. São raros os moradores que sabem os jogos que a cidade receberá.
Administrador da Lancheria da Dora, Diego Xavier da Silva, 37 anos, ainda não decidiu se vale a pena substituir o azul celeste do Grêmio pelo verde e amarelo na pintura do bar e dos cordões ao longo da competição. É provável que espere até a definição do Grupo A. Se o Brasil confirmar o primeiro lugar no grupo, o que faria o jogo dos comandados de Tite nas quartas de final ocorrer em Porto Alegre, é possível que o espírito de Copa tome de fato o Humaitá. E antes?
– Dos primeiros jogos, não se fala muito. Comentam um pouco que o Messi vai jogar aqui, né? Nós, dos bares, não sabemos bem como vai funcionar. Se vão bloquear um perímetro. Se vão pedir para a gente fechar. Temos uma reunião com a prefeitura no dia 11 (na verdade, com a vigilância sanitária, leia mais no quadro), e, quando eles nos chamam, não costuma ser coisa boa – conclui Diego.
Enquanto ainda não tem definições sobre o potencial do evento para os negócios, Diego comemora ao menos um faturamento: alugou a sacada do terraço com vista para a Arena para transmissões do canal ESPN.
– Pelo menos isso, porque as contas estão difíceis de fechar neste ano. O Grêmio não está muito bem, o que diminuiu o movimento. A conta de luz do bar já está em R$ 1.200. E o IPTU, eu ouvi dizer que vai triplicar na região. A gente precisa ir atrás do dinheiro, senão a gente só perde – conclui Diego.
Humaitá adentro, o movimento da reportagem provoca desconfiança dos moradores.
– Se vieram fazer matéria de alagamento, tem que vir em dia que chove – avisa Volnei Maier, 45 anos, escorado no muro do Mercado do Luciano, na Rua Luiz Carlos Pinheiro Cabral.
– Eu quero mais é que chova durante o evento, para o pessoal ver o que acontece por aqui. Talvez, se acontecer um fiasco, ajude a resolver – completa Luciano Pinheiro, 41 anos, que dá nome ao estabelecimento.
Segundo a dupla, passada a empolgação inicial com a Arena, inaugurada em dezembro de 2012 com a promessa de melhorias de infraestrutura no bairro, os moradores hoje reclamam da considerável piora do escoamento da água da chuva após o estádio entrar em atividade. Não sabem se uma coisa tem a ver com a outra. Naquela rua em particular, nas últimas vezes em que choveu forte a água subiu aproximadamente 50 centímetros, adentrando casas e estabelecimentos comerciais. A casa da esquina, onde mora uma senhora cadeirante, teve o primeiro piso condenado.
– Se chover nos dias dos jogos, vou pegar um barquinho e cobrar R$ 1 a travessia até a avenida. Vou ficar rico – exagera Gabriel Santos, 19 anos, que acompanha os outros dois na reclamação.
Luciano é outro comerciante que ainda não sabe se entra ou não no clima de Copa. Se os fornecedores de bebida enviarem material publicitário alusivo à torcida pela Seleção, colocará em exposição de bom grado no mercado. Até o momento, porém, nada veio.
Nas Copas do Mundo de 2014 e 2018, Luciano chamou os vizinhos e pintou uma bandeira do Brasil no pouco de asfalto em frente ao bar. Nas duas ocasiões, fez uma foto em torno da pintura e enquadrou o resultado. A recordação serve para decorar o bar e acompanhar a mudança física dos envolvidos. E já que a Copa América é logo ali, é possível que repita a ideia:
– Vamos ver se o pessoal se motiva. Mas não estou sentindo muita firmeza.
A presença de torcedores uruguaios e argentinos mais assusta do que motiva, graças a algumas confusões nos jogos em que o Grêmio enfrentou adversários do país vizinhos nas duas últimas Libertadores. Previsões mais otimistas estimam 30 mil argentinos em Porto Alegre – na Copa do Mundo de 2014, foram 100 mil. Como é tradição da torcida acompanhar a seleção mesmo sem ingressos para o estádio, crescem as chances dos hermanos adentrarem as ruas estreitas do Humaitá.
– Vou sentir o clima. Se for o caso, vou ter que alugar alguns banheiros químicos. Porque eles compram cerveja e mijam mesmo nas paredes. Depois, os vizinhos brigam comigo. As outras torcidas, não sendo um bairro turístico, acho pouco provável que saiam muito do entorno do estádio para conhecer o bairro – palpita Luciano.
As chuvas do outono porto-alegrense também são uma preocupação da prefeitura. Há uma casa de bombas reformada recentemente no Humaitá capaz de aliviar a situação do bairro, mas o problema é que, não raro, o alagamento vem somado a queda de energia elétrica, o que compromete o bombeamento. Por isso, a prefeitura questionou a Conmebol, organizadora da Copa América, se ela poderia alugar geradores para eventual necessidade durante o evento. A entidade chegou a orçar, mas se assustou com o preço e devolveu a responsabilidade à prefeitura.
– Seria como ocorrer um show da Madonna na Arena e a prefeitura pedir ao pessoal da Madonna que trouxesse geradores para o bairro em caso de chuva – declara uma fonte do Comitê Organizador da Copa América.
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico estuda alternativas, mas esclarece que há um gerador à disposição na casa de bombas da região. Os geradores extras, pedidos à Conmebol, serviriam para reforço caso outras bombas precisem ser acionadas numa situação de queda de energia.
De acordo com a Somar Meteorologia, há previsão de chuva "com volumes bastante expressivos" em Porto Alegre no primeiro final de semana da Copa, resultado de uma frente fria que deve chegar à Capital entre 15 e 17 de junho. Depois disso, o tempo deve ficar seco. Salvo mudança de ares, só o primeiro jogo estaria ameaçado.
Nos próximos dias, o asfalto das avenidas em torno do estádio receberão a operação tapa-buracos. Nas últimas semanas, os moradores também observaram equipes da prefeitura intensificando os trabalhos de poda nas praças e no recolhimento de lixo. A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos confirmou que, desde o final de maio, reforçou as atividades rotineiras do bairro, como limpezas e desobstruções de redes pluviais, capina e roçada de vias e praças, podas e levantamentos de copas de árvores, além de manutenção da iluminação pública.
– Não sei bem por quê, se os jogos são do outro lado da faixa. Importante seria fazer isso sempre, né? Mas se o Messi vier dar uma olhada, vai achar lindo – brinca Gabriel.
Dúvidas antes da bola rolar
Venda de bebidas
Diferentemente da Copa do Mundo, que a atua sob uma lei específica para o Mundial, nada muda na Copa América para a venda de bebidas dentro do estádio. É respeitada a lei estadual, que veta o álcool. A Conmebol tampouco atua contra ambulantes ou contra o chamado "marketing de guerrilha": quando marcas que não patrocinam o evento fazem ações no entorno do estádio. Essas ações se limitam ao interior do estádio. Bares e restaurantes poderão vender bebidas das marcas que quiserem.
Venda de alimentos
A prefeitura promete vetar vendedores ambulantes no entorno da Arena, mas ainda não delimitou o perímetro. Representantes de 32 bares da região foram convidados para uma reunião no dia 11 para receberem orientações da Vigilância Sanitária sobre o manejo de "alimentos de baixo risco". Se enquadram nessa categoria alimentos como salgados, pastéis feitos na hora e churrasquinho. Não haverá coibição dessa venda, desde que feita por comerciantes.
Trânsito
Ainda não estão definidas as alterações do trânsito para o evento. A prefeitura promete os dados para a próxima semana. O que ela adianta é que haverá linhas exclusivas de ônibus e planejamento de acesso a veículos como táxis e aplicativos. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, o estacionamento da Arena não estará disponível. O acesso mais aconselhável será por transporte público: ônibus ou trensurb.
Ingressos
Ainda há ingressos disponíveis para todos os jogos em Porto Alegre. A compra pode ser feita pela internet (no site ingressos.copaamerica.com) ou na bilheteria do shopping DC Navegantes. Atenção: os ingressos vendidos pela internet devem ser retirados no DC Navegantes, e a organização do evento aconselha fortemente os torcedores a fazê-lo com antecedência, preferencialmente antes do início da competição.