Um projeto que prevê a construção de um prédio em forma de uma enorme cuia de 250 metros de altura na orla do Guaíba, em Porto Alegre, tem chamado a atenção e despertado controvérsia em redes sociais.
Elaborado em 2002 e reapresentado agora como alternativa à roda-gigante pretendida pela prefeitura para marcar a silhueta da cidade, o plano busca criar um monumento capaz de se tornar referência mundial. A ideia agrada a tradicionalistas, mas arquitetos e urbanistas ouvidos por GaúchaZH não engolem esse mate gigante. O autor diz que pretende estimular uma reflexão sobre o uso da orla.
Esboçado pelo designer de produtos Itamar Nogueira, 68 anos, o edifício teria custo estimado em pelo menos R$ 100 milhões. Desde que foi concebida, a iniciativa tem sido passada de mão em mão, mas ainda não chegou à mesa de nenhum órgão público ou potencial investidor.
— O projeto foi criado por mim e havia uma parceria com um patrocinador que acabou falecendo durante o processo. Assim, não partiu para as próximas fases. A intenção de trazê-lo de volta agora é provocar uma reflexão. Que códigos visuais nos representam como gaúchos? Uma roda-gigante como a que ficou tão conhecida em Londres? Ou uma cuia, um ícone da cultura gaúcha dentro e fora do Estado? — questiona Nogueira, que diz já ter trabalhado em projetos de pontes, barragens e outras grandes estruturas pelo país.
Na ponta da torre que representaria a “bomba” seria instalado um mirante — em uma altura correspondente a cerca de duas vezes a chaminé do Gasômetro. No interior do prédio haveria escritórios, hotel, espaços culturais, de lazer e para eventos. Se dependesse de fãs da cultura nativa como o vice-presidente campeiro do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Vanderlei Rosa, a supercuia de concreto, metal e vidro já estaria servida:
— Acho positivo por valorizar uma coisa nossa, do nosso dia a dia, cada vez mais utilizada até por quem não vive a tradição. É um hábito que une o campo e a cidade no Rio Grande. E ajudaria a divulgar um objeto que é referência do Estado para quem não é daqui.
Mas há quem considere a iniciativa de amargar. Para a coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo e da especialização em Cidades da Unisinos, Izabele Colusso, toda cidade precisa ter marcos urbanísticos. Mas, segundo ela, não se deve "inventar" ou "embutir" elementos estranhos demais à paisagem e à história arquitetônica de um lugar:
— Já temos referências como a chaminé do Gasômetro ou o cais do porto, que fazem parte da silhueta da cidade. Em relação a essa cuia, acho que cairia de paraquedas na nossa orla.
A urbanista questiona também o refinamento da obra.
— Tem algo que, em arquitetura, chamamos de kitsch, ou brega, quando é muito literal. Se querem chamar atenção para o tradicionalismo, podem usar uma referência mais singela e artística. Quando é tão literal, e numa proporção tão grande, pode até virar motivo de chacota, para não dizer que é algo que briga muito com a questão ambiental naquele lugar — analisa Izabele.
Outro professor de arquitetura consultado por GaúchaZH preferiu não participar da roda de conversa:
— Acho melhor nem dizer o que penso disso.