É um programa estranho, mas nada menos do que 200 pessoas decidiram passar a noite de sexta-feira 13 de lanterna em mãos, no frio, passeando entre os túmulos de dois cemitérios históricos de Porto Alegre, o Cemitério da Santa Casa de Misericórdia e o São José.
A visita guiada contando a história das sepulturas e dos moradores ilustres que ali descansam é realizada esporadicamente desde os anos 1980, mas a organização se surpreendeu com o público recorde desta edição. Com a alta procura, uma segunda turma teve de ser aberta. Cada uma contou com cem encasacados e curiosos porto-alegrenses aos sussurros.
Afora algumas piadinhas — "pisei e acho que ouvi um 'ai' ali embaixo" ou "que mão gelada, é tua mesmo?" — e um camarada que apareceu fantasiado de caveira, o passeio não demora para se tornar mais cultural do que macabro. Muito pela empolgação das mediadoras: Gabriela Portela Moreira, historiadora da Santa Casa, e Luiza Fabiana Neitzke de Carvalho, doutora em artes visuais, que se apresenta como "professora e historiadora da arte funerária".
— Cruzes... — cochicha uma senhora do público.
Cruzes, nada. As mediadoras contagiam o público com adjetivos como "inigualável", "joia rara" e até "sensual" para se referir a esculturas, lápides, mausoléus e outras obras de arte distribuídas literalmente sobre algumas figuras da cidade que costumamos conhecer só como nome de rua, como a família Mostardeiro, o Coronel Bordini, o Protásio Alves e outros tantos. Por meio dos túmulos, se aprende muito de história, mas também dos modismos e das fofocas do início do século 20.
O túmulo do cruz-altense Pinheiro Machado é um dos mais suntuosos — "um must daquela época", define Luiza — e um resumo disso tudo. Como outros ali, foi construído por meio de "concurso cívico público": o melhor projeto ganhava o direito de realizar a obra. Tudo nele lembra a Antiguidade: o senador esfaqueado pelas costas (como Julio César) é esculpido deitado sob um lençol com os braços pendentes. Uma representação feminina da República vela o corpo, enquanto Clio, a deusa da memória, escreve em um papiro a sua história para novas gerações, representadas pelas crianças. O público fica boquiaberto.
Metro à frente, outro esfaqueado pelas costas, Plácido de Castro, tem um túmulo menos vistoso, mas curioso: se trata de um caso raro de arte fúnebre de protesto. Morto no Acre em meio a tramas políticas locais, ele jaz sob uma estátua da Justiça sem olhos vendados, com uma espada apontada para um dos lados da balança, que pende com um saquinho de dinheiro. Como tantas outras lápides, a de Plácido é guarnecida por um leão:
— Mas ele não parece mais sobressaltado do que o normal? Apontem as lanternas para as costas dele... — provoca a mediadora.
— Óhh! — suspiram os visitantes, ao descobrirem uma flecha nas costas do felino.
A família não ficou satisfeita com o simbolismo. Em vez de um epitáfio, há praticamente uma nota de jornal narrando o crime e culpando até o presidente da República à época, Afonso Pena.
Mais adiante, as mediadoras destacam para o túmulo mais visitado do Estado, do cantor nativista Teixeirinha. Mas, mesmo no escuro, é impossível não reparar em outra sepultura curiosa metros atrás, que se destaca pelas cores em contraste com o mármore, o bronze e outras pedras. É um soldado acompanhado de uma águia e de um cão. Se trata do túmulo do paraquedista Casemiro Scepaniuk, que desenhou e construiu o próprio túmulo e começou a usufruir de sua obra em 2016.
— Ele construiu para ele e para a esposa. Repararam que já tem ali a foto dela, a data de nascimento e não a da morte? Pois é, é que a dona Ruth ainda está viva — conta a mediadora, para espanto dos visitantes.
Boas histórias não faltam, nem comentários interessantes sobre o simbolismo das esculturas, da arquitetura e do material escolhido para as lápides, mas é preciso acelerar o passo. Em meio a tanta cultura, boa parte do pessoal esquece que é sexta-feira 13. Só voltam a lembrar do lado de fora do portão, inconformados com a quantidade de motoristas que recusam corridas em volta do cemitério.