Desde março, as famílias atingidas pelo novo traçado da ponte do Guaíba estão saindo de suas casas na Ilha Grande dos Marinheiros. A ação é necessária para que as residências sejam demolidas e as obras da ponte sigam em frente. No entanto, o que se transformou em um novo capítulo na vida de mais de 1,1 mil famílias, resultou no suplício de muitos animais que estão ficando abandonados. O relato de muitos moradores que ainda estão por lá é de que algumas pessoas não podem levar os bichos para os imóveis comprados por falta de espaço ou, simplesmente, os deixam para trás por puro descaso.
Funcionário de uma ferragem localizada logo na entrada da Ilha, Alex Nicoletti, 30 anos, conta que a situação tem piorado a cada dia. São gatos e cachorros andando a esmo pelas ruas do bairro, em busca de água e comida.
— Passam revirando os lixos, eu já não deixo mais o latão de lixo aqui na frente porque não dá mais — relata.
A preocupação de quem seguirá morando na localidade é também com a própria saúde. O reciclador Gustavo dos Santos, 23 anos, fez questão de mostrar à reportagem algumas casas desocupadas, mas que ainda não foram demolidas, onde cães e gatos se acomodam em cima de sofás e colchões velhos que ficaram para trás. O cheiro fétido das fezes e urina está por vários lados.
— Estes dias tinha um (animal) morto aqui, agora já apodreceu — mostra Gustavo, apontando para um terreno com amontoados de restos de madeira.
Moradores perdidos
Os animais são vistos circulando por toda área, mas, especialmente, entre os becos 17 e 18, de onde já saíram várias famílias. Moradores dizem que algumas pessoas vão de um ponto a outro da ilha, como por exemplo nas proximidades da Escola Marista, e largam os bichos por lá. Não é difícil encontrar os animais magros e feridos, circulando ou descansando na entrada das antigas residências. Quem convive com a cena diariamente até tenta ajudar. O borracheiro José Maurício de Souza, 51 anos, tem 10 cães em casa. Diz que alimenta os seus e ainda divide com os que passam pela rua.
— Eu ainda tento ajudar, mas quando todos começarem a ir embora? Eles estão morrendo de fome. Os nossos estão no pátio, mas o que tu encontrar pela rua é porque está abandonado — relata.
O aposentado Bento Oliveira, de 67 anos, vai deixar a Rua da Cruz, na Ilha, no fim do ano, e se mudar para Guaíba. Oliveira tem sete cães e já decidiu que vai levar apenas quatro deles.
— Na casa nova não tem espaço para todos. Quero doar os outros três, mas nem sei quem procurar — conta.
Preocupação de voluntários
Maria Letícia Bez, 72 anos, que tem 10 cachorros em casa, lamenta que os ex-vizinhos de bairro tenham que fazer escolhas e tomar essas atitudes.
— Teve gente que largou a cadela com oito filhotes, ela não tem nem mais leite para dar aos bichinhos. Outros deixaram até uma porca — lembra.
Um grupo de voluntários formado por pessoas de diversas cidades se reuniu para tentar ajudar. Eles criaram a página do Facebook SOS Animais Ilha Dos Marinheiros e uma vaquinha online para arrecadar recursos para compra de ração, medicamentos e castrações. Recentemente, estiveram na Ilha. Medicaram 80 animais e distribuíram mais de 50 quilos de ração.
— Não conseguimos percorrer nem 5%, pois é muito grande. O que se vê é muito lixo, muita sujeira, muitos animais soltos, porcos, galinhas, patos. Tem de tudo, uma cena de destruição. Muitos animais doentes e filhotes — relembra uma das voluntárias, Caroline Gonçalves, 37 anos.
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) informou que já tem conhecimento da situação e está organizando uma nova ação na comunidade, junto à rede de proteção animal. Em 2017 e em 2018, a unidade de medicina veterinária da Smams realizou ações no local em parceria com as protetoras cadastradas do município. A ideia desta nova ação é verificar a condição clínica e esterilizar os animais que ainda não tenham sido esterilizados. Além disso, viabilizar a adoção desses animais, dentro do programa Me Adota.