Não seria ousado dizer que a carioca Iara Mendonça já foi mais vezes à Disney do que qualquer porto-alegrense. Nas suas contas, foram mais de 350 visitas desde a década de 1960, quando esteve no parque, à época sediado na Califórnia, pela primeira vez. É também possível que ninguém tenha levado tantos gaúchos para conhecer a terra do Mickey quanto ela. Criadora da Tia Iara, uma das agências de viagens mais conhecidas do Estado para esse roteiro, ela acredita já ter acompanhado, pessoalmente, mais de 40 mil pessoas à meca norte-americana da diversão. E segue contando.
— Há 10 anos não tiro férias. Minhas férias são acompanhar os grupos (nas viagens à Disney). Eu amo ir a Orlando — diz.
Aos 80 anos, garante nunca ter enjoado de fazer o que considera "o melhor turismo do mundo". Para a carioca que já visitou mais de 10 países, o parque temático reúne atrativos que não se esgotam — os shows mudam de tempos e tempos, e ainda há espaço para agregar locações. Não à toa, vende pacotes com programações abarrotadas de atividades, entre atrações musicais, passeios de limusine e festas.
— Em que outro lugar você vai poder voar de asa delta e fazer a volta ao mundo? Quando você entra na parte em que reproduzem os países (pavilhões do Disney Epcot que remetem a 11 países), está lá, tudo igualzinho. Na Alemanha ou no México, é como se tivesse viajado para lá — fala, com a habilidade de vendedora que a transformou em uma das principais personagens do ramo na Capital.
Não é que Tia Iara não se canse da Disney. A impressão que a octogenária passa é de que, ao menos quando o assunto é trabalho, sua bateria nunca acaba. Nas cerca de duas horas em que recebeu a reportagem em sua mesa, cheia de papéis, fotos com atores globais e lembranças de viagem, atendeu ao telefone pelo menos três vezes. Durante todo o tempo, esteve com um olho na repórter e outro no que ocorria ao redor, cumprimentando os clientes que chegavam ou monitorando os 11 funcionários que trabalham no local.
— Quando eu era nova, não queria namorar. Queria trabalhar, ganhar dinheiro e viajar. Nenhuma viagem é igual à outra — recorda a empresária, que descarta a aposentadoria.
A carreira de Iara nas viagens teve início há quase seis décadas, quando atuava como professora em escolas do Rio de Janeiro — preserva intacto o sotaque carioca. Começou a levar turmas de alunos, de ônibus, em passeios pelo nordeste brasileiro e, mais tarde, foi convidada por uma agência para levar pequenos grupos ao Exterior. Em uma das suas primeiras idas à Disney, acompanhou o humorista Chico Anysio, que viajava com a família, pelo parque famoso.
Ainda no Rio de Janeiro, começou a viajar com grupos de gaúchos. Foi na volta de uma viagem a Orlando que conheceu, através de outros casais do Rio Grande do Sul, o marido, Marcelo Mendonça. Mudou-se para Porto Alegre após o casamento, em 1975. A chegada foi marcante: para divulgar seus serviços, alugou um caminhão de bombeiros, encheu de bonecos da Disney, e saiu lançando brinquedos pela cidade.
— Queria apresentar a Tia Iara, mostrar que estava chegando — conta a carioca, que frequentemente refere-se a si mesma na terceira pessoa.
Passou 12 anos trabalhando vinculada a uma agência até que, nos anos 1980, resolveu abrir a Tia Iara Central de Viagens & Turismo, na Rua Coronel Bordini (mais tarde mudaria para outro ponto na mesma via). A loja ainda é onde passa boa parte do tempo: de segunda a sexta-feira, chega ao local às 8h30min e, não raro, sai apenas após as 18h30min. Também trabalha aos sábados pela manhã — passa o restante do fim de semana em uma propriedade na Zona Sul, onde se entretém fazendo mudas de plantas.
Apesar da boa relação com crianças e adolescentes, não teve filhos. Atualmente, para passar mais tempo perto do companheiro, que necessita do auxílio de cuidadoras, viaja apenas duas vezes por ano, em janeiro e julho — com os grupos maiores, de cerca de 150 jovens. Para deixar os pais tranquilos, grava tudo e transmite pela "TV Tia Iara", da qual é a principal apresentadora.
— Falo muito para eles sobre família, é importante. E fazemos homenagens. Os pais ficam emocionados — diz, orgulhosa.
Sua agência até trabalha com outros roteiros — cada vez menos, acredita, em razão da internet. Mas a Disney que fez a fama ainda é o carro-chefe da marca, que, anos atrás, quis registrar com as orelhas do camundongo famoso. Teve os planos frustrados — a versão antiga da personagem estaria em domínio público desde 2003, mas uma mudança na legislação norte-americana que se tornou conhecida como "Lei Mickey" prorrogou por vinte anos os direitos autorais —, mas não guardou rancor. Além das dezenas de imagens e miniaturas da personagem espalhadas pela agência, ostenta nas paredes foto de seu criador, Walt Disney.
— Já leu a biografia dele? Tem uma história linda, é um gênio. Quando ele morreu (de câncer de pulmão, em 1966), tive um ataque de choro. É meu maior ídolo até hoje — diz.