Experiência que alavancou a imagem de Porto Alegre para o mundo, o Orçamento Participativo foi tema de debate em seminário internacional na tarde deste sábado (24), na Cinemateca Capitólio. O evento integrou a programação alusiva aos 30 anos da política pública, criada em 1989, no governo de Olívio Dutra na Capital gaúcha.
Um dos debatedores foi o espanhol Borja Prieto, do setor de relações internacionais em participação popular da prefeitura de Madri, governada atualmente por uma coalizão de direita. Ainda jovem na capital espanhola, com apenas quatro anos de existência, o sistema de participação popular para destinar recursos públicos tem uma veia digital considerada avançada, com milhares de cidadãos habilitados a opinar e a votar. Nesta entrevista, Prieto analisa acertos e erros do passado, as opções para contornar problemas como a escassez de recursos, o desafio de agregar o debate presencial com o virtual e a viabilidade de promover participação popular em tempos de extremismos no mundo.
O Orçamento Participativo começou em um tempo de discussões presenciais, com salões lotados para a realização de debates. Isso arrefeceu ao longo do tempo, em parte pelo processo de digitalização da sociedade. Como engajar as pessoas hoje?
Eu creio que são formas complementares. A participação presencial é muito rica, permite um diálogo cara a cara, permite gerar conteúdos, gerar debates mais ricos, mas está limitada a um número de pessoas que pode comparecer. A participação digital abre a possibilidade de participarem milhares de pessoas. Em Madri, temos quase 500 mil pessoas inscritas na plataforma e 100 mil pessoas votaram em processos participativos no último ano, mas se perde a riqueza do trabalho em comunidade. Temos que encontrar maneiras de unir os dois mundos e combinar a participação presencial com a participação digital.
Em cidades brasileiras, tivemos problemas com a liberação de recursos. As pessoas se envolviam e escolhiam prioridades, mas o dinheiro não era suficiente para cumprir as demandas. Também haviam atrasos. Como solucionar este problema que, no final, que pode acarretar frustração e descrédito da política?
Em Madri, temos uma quantidade de dinheiro determinada. Nos últimos anos, foram 100 milhões de Euros, o que é muito dinheiro. Repartimos 30 milhões de Euros para projetos e demandas de toda a cidade e os outros 70 milhões de Euros dividimos entre os 21 distritos de Madri. Damos mais dinheiro aos que tem maior população e aos mais pobres. E, a partir deste dinheiro, os cidadãos decidem o que fazer com ele. Mas já se sabe desde o início quanto dinheiro há disponível. Isso evita uma parte da frustração, de criar uma demanda, discuti-la, promovê-la, aprová-la, e depois não ter dinheiro. Evita falsas expectativas, falsas ilusões que depois não se cumprem. Nós também temos problemas também com os recursos, mas são questões de ordem mais técnica, como aprovar algo e depois não ser tecnicamente possível por algum motivo. De qualquer forma, ter o dinheiro desde o princípio facilita todo o processo.
O dinheiro da participação popular em Madri é exclusivamente público?
Sim, exclusivamente público. Mas há outros países que estão experimentando modelos como o crowdfunding. E fazem um misto entre financiamento público e privado. Isso está ocorrendo em países com mais problemas econômicos. É uma possibilidade a ser explorada. Por exemplo, comércios locais dispostos a apoiar esse pressuposto porque, no final, serão também beneficiados com a melhora no calçamento do bairro, por exemplo. Um negócio com entorno melhor poderá ter mais clientes, mais movimento, então ele pode querer ajudar a melhorar um espaço, uma praça.
O senhor considera viável que empresários ou pessoas físicas façam doações para programas de orçamento participativo e, depois, possam abater do imposto de renda, por exemplo?
Claro, creio que temos muitos experimentos a fazer em processos de participação. Temos que inventar novas maneiras de fazer as coisas. Não há que se ter medo de fazer experimentos. As coisas podem funcionar ou não. Não sabemos. Tudo é relativamente novo. Trinta anos pode parecer muito tempo, mas não é tanto. Quando mesclamos o digital, é muito mais novo. E temos que descobrir como trabalhar com o digital, incorporar mais pessoas, incorporar o setor privado, a academia. E trabalhar juntos com todos. E isso só poderá se fazer com inovação e experimentos.
Como promover discussões de participação popular em tempos de extremismos políticos?
Eu creio que justamente a participação cidadã é uma solução a esse problema. Há uma crise de confiança na política tradicional e isso se reflete nos extremismos. Mas a maior parte da população é sensata, é normal. O extremismo é o extremo por definição. O que precisamos é que as pessoas normais, as que querem melhorar suas vidas e que não querem soluções loucas, tenham uma via de participação para construir suas cidades, aportar suas opiniões e trabalhar juntas. De forma que essas vozes que gritam muito, mas são poucas, não sejam as que sobressaiam.
Seria a participação como reconciliação?
Claro. Eu creio que os políticos precisam ser mais humildes. Temos que empoderar os cidadãos. Eu não sei tudo. Os políticos tem que deixar o pedestal, conversas com os vizinhos e trabalhar com eles. A participação é uma forma de voltar a conectar e criar outro tipo de relação entre a política e os cidadãos.
Em Madri, quais as principais demandas da população?
Em quatro anos, temos quase mil demandas. Temos muitas coisas relacionadas com meio ambiente. As pessoas querem uma cidade em que possam respirar bem, com árvores, área verde, cidades mais amáveis com aqueles que têm necessidades, como idosos e crianças. E há muitas propostas relacionadas aos esportes. Em geral, eu diria que são propostas que tratam de uma cidade mais amável e agradável para viver. Não são temas de infraestrutura como aqui em Porto Alegre.
No exterior, qual a imagem de Porto Alegre quando o assunto é processo de participação popular?
Para nós, é fundamental. Para Madri, Porto Alegre foi uma referência. Desde o início, quando começamos com o projeto de participação, pensamos em falar com Porto Alegre. Primeiro por videoconferência. Depois, fizemos uma visita e convidamos Porto Alegre para a primeira conferência que nós fizemos. Pensamos que é importante cooperar. Estamos apenas começando, temos quatro anos, mas contamos com os 30 anos de experiência de Porto Alegre, que é um referencia a nível mundial. Nós estamos muito avançados na questão da participação digital e queremos colaborar com Porto Alegre. É fundamental trabalhar e aprender juntos.