A placa na porta da pequena loja no centro de São Leopoldo gera curiosidade. Com recheio que varia de frango e abacate a carne e feijão, "arepas" a partir de R$ 10,50 são o carro-chefe do restaurante com oito mesas no número 991 da Rua Primeiro de Março. A maioria dos clientes nunca ouviu falar no lanche típico venezuelano, feito com farinha de milho — que por lá é devorado no café da manhã, no almoço ou na janta, explica Anitza Guayapero, 52 anos.
— Eles perguntam até como se come — acrescenta ela.
Aberto há um mês, a negócio de Anitza e do seu filho, Jesus Guayapero, 30 anos, é a maior cartada da família desde que se mudou para o Brasil fugindo da grave crise na Venezuela. Ele, engenheiro mecânico, supervisor em um poço de petróleo, veio primeiro, há quatro anos. Conta que não ganhava nem R$ 80 por mês, valor insuficiente para dar qualidade de vida à sua família (na época, seus dois filhos tinham um e oito anos). O primeiro trabalho no Rio Grande do Sul foi numa borracharia — ele mal trocava o pneu do seu carro lá em El Tigre, cidade do interior da Venezuela.
Dois anos depois, veio sua mãe. Ela tinha uma fábrica de móveis com sete lojas, que acabou indo à falência por falta de matéria-prima. Nenhum dos dois tinha experiência no ramo da gastronomia, mas apostaram nisso para empreender fora da terra natal pela primeira vez.
A trilha sonora do Restaurante El Budare inclui um bocado de músicas românticas latinas, salsa, merengue e cúmbia. A bandeira pendurada sobre a porta que dá acesso à cozinha ressalta o orgulho da terra e a saudade de quem ficou por lá — incluindo a filha mais velha de Jesus, que não conseguiu os documentos de permissão para vir visitar o pai neste ano. Em uma prateleira, eles colocaram um rum típico da Venezuela do lado de uma cuia.
— Mostra que estamos abertos à nova tradição, que chegamos na terra de vocês e queremos nos aculturar — diz ele.
A ideia é expandir o restaurante, mas os dois querem ir dando os passos "aos pouquinhos". Um sonho de Jesus é ver outros imigrantes com essa vontade de prosperar. Como voluntário no Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, na Capital, ele ajuda fazer currículos para imigrantes, e não se conforma quando alguém que fala três línguas é encaminhado para vagas que exigem pouca escolaridade. Sabe de venezuelanos formados médicos, engenheiros ou professores que vão para outros países para desempenhar trabalhos braçais.
— Os imigrantes têm muito potencial. E não são coitados, precisam de uma oportunidade, precisamos que acreditem em nós.
Jesus já trouxe seu filho mais novo e ajudou na vinda de uma tia e quatro primos — há mais dois por vir. Quando ouve da situação do seu país, fica mal. Inflação é uma palavra que lhe dá calafrios.
— Era um choque ter uma grana no bolso que pode te proporcionar um jantar num restaurante chique e amanhã não compra nem arroz.
Por coincidência, abriu também há um mês na Região Metropolitana outro restaurante venezuelano. A sócia do Santa Arepa, em Canoas, Claire Guevara, 41 anos, deixou o país ainda antes de Jesus, quando viu os primeiros sinais da crise na Venezuela. Ela lembra que precisava peregrinar atrás de produtos como açúcar e papel higiênico. Quando saía do país, retornava com a mala cheia de creme dental e adoçante, por exemplo, pois sabia que era difícil conseguir lá.
Há 10 anos, veio morar no Rio Grande do Sul com o marido, gaúcho, com quem tem hoje uma empresa de traduções. Há cinco meses, recebeu o irmão, Gonzalo Guevara, 49 anos, e a cunhada, Arelis Morales, 52 anos, também venezuelanos, e abriram o restaurante no bairro Fátima.
Gonzalo, que era gerente de uma importadora de cosméticos na Venezuela, comemora a boa aceitação dos clientes, tanto de imigrantes venezuelanos (e teve cliente que já chorou ao relembrar o sabor típico da sua terra), quanto de brasileiros. Ele parece orgulhoso ao contar que a freguesia se interessa por sua história pessoal e pelas tradições venezuelanas.
— Eu estou dando uma parte da minha cultura, e é muy acalorada a recepção. É uma coisa que dá motivação para continuar fazendo isso com amor e carinho.