Muitas pessoas nunca ouviram falar de shawarma — volta e meia alguém para em frente ao número 549 da Rua General Lima e Silva, lê o letreiro e pergunta o que é. Fazem menos ideia ainda que a receita foi trazida de terras árabes à Cidade Baixa por três refugiados que tentam reconstruir a vida longe da guerra.
Vindos da Síria em diferentes momentos, Adib Mokhallalati, 32 anos, Feras Alazhar, 30 anos, e Marwan Kalam, apelidado de Abusalem, 48 anos, se conheceram em Porto Alegre e, há duas semanas, abriram a loja onde vendem o sanduíche de pão árabe enrolado com carne ou frango, pasta de alho, alface, tomate e picles. Os clientes fazem fila na calçada e compram o lanche para viagem, uma vez que na loja só cabem os sócios: tem 5 por 2,5 metros.
Marwan já fazia a iguaria na Síria. Tinha um restaurante bem maior por lá, de aproximadamente 120 metros quadrados, onde, além de shawarma (um lanche tão comum quanto o xis no Rio Grande do Sul), servia esfirra e churrasco árabe. Mas perdeu tudo em um bombardeio, que também matou seu irmão e sócio. Sua casa também foi atingida por uma bomba, em um incidente que vitimou sua mãe.
Ferras, que trabalhava com venda de roupas na Síria, também perdeu um irmão na guerra. Até hoje a família não sabe as circunstâncias — ele desapareceu, e o governo informou apenas que foi morto, sem explicar como, afirma. Adib relata que todas as notícias que vemos no Brasil não dão conta da gravidade da guerra civil na Síria (que se iniciou em 2011). Ele acompanhava pelo YouTube as informações, mas parou porque está "tentando esquecer":
— Tenho que fazer uma vida nova aqui.
Feras e Marwan se conheceram na mesquita muçulmana no centro de Porto Alegre e chamaram Adib para compor a sociedade por dominar melhor o português. Marwan quase não fala a língua. Quando vai no mercado comprar os 19 temperos que vão no shawarma, cheira um a um até tossir ou se desdobra fazendo mímica para que os funcionários lhe entendam.
Nenhum dos três têm ligação com a cidade que dá nome ao seu empreendimento — chama-se Dubai Shawarma. A capital da Síria, Damasco, não é lá muito conhecida no Brasil, então escolheram a capital dos Emirados Árabes Unidos "para chamar atenção". A diferença na preparação do lanche em solo gaúcho, em comparação com o sírio, é o monte de carne prensada em um espeto de aço giratório, que vai assando lentamente em um forno vertical acoplado à parede. Se na Cidade Baixa tem 20 quilos de carne, na Síria é comum passar de 200 quilos. Chegar a esse peso por aqui é um sonho para os sócios, pois seria um reflexo do sucesso da loja.
Mas não há do que reclamar: os três sorriem com facilidade e se dizem satisfeitos em Porto Alegre. Eles chegaram a passar por outros países antes de vir ao Brasil, como o Sudão, a Jordânia, a China e a Rússia, mas tiveram dificuldades em conseguir emprego, documentos ou visto de permanência. Marwan, que trabalhou em várias cozinhas desde que saiu da Síria, comemora a abertura do primeiro negócio no Brasil.
— Agora, consigo fazer uma coisa para mim. Estou feliz — diz ele em árabe, com tradução de Adib.
O próximo passo é ampliar o cardápio: além de shawarma e falafel, os sócios querem vender também quibe e o doce frito baklava. Se é para pensar grande, pretendem abrir franquias. Adreson Vita de Sá, 44 anos, designer, garante que o produto bom eles já têm.
— Há pouco tempo, nem tinha shawarma em Porto Alegre e, para mim, já é o melhor — opina.