Seja em lojas de departamentos, brinquedos ou produtos eletrônicos, quase todo mundo já adquiriu algum produto fabricado na China. No comércio que ferve no centro de Porto Alegre, as opções são múltiplas, indo de fones de ouvido e capas de celular a bolsas, mochilas e guarda-chuvas. Mas, em um microcosmo que atravessa a Rua Voluntários da Pátria até Rua Júlio de Castilhos e ocupa parte da Praça Rui Barbosa, as relações exteriores não se limitam à origem dos produtos. Por lá, boa parte dos vendedores também veio do país mais populoso do mundo.
Somente na galeria Caminho Novo, cujo principal acesso dá-se pela Voluntários da Pátria, cerca de uma dezena de chineses são proprietários de lojas e bazares, onde trabalham com parentes e, por vezes, contratam funcionários brasileiros para ajudar no atendimento — em geral, somente o proprietário tem acesso ao caixa. Os que se arriscam no português contam ter chegado à Capital na última década — a maioria nos últimos sete anos. Todos os entrevistados disseram morar no Centro.
A Chinatown embrionária da capital gaúcha é bem mais tímida do que se observa nas grandes metrópoles, onde há bairros inteiros dominados por chineses. A começar pela fachada das lojas intercaladas com os comércios locais. Elas dispensam a grafia chinesa — os nomes, em geral, usam as iniciais dos donos ou são em português, caso da Guaíba. Também não se veem restaurantes orientais: a gastronomia das imediações é quase toda oferecida por lanchonetes tipicamente brasileiras. Além da fisionomia de lojistas com olhos puxados, o principal diferencial — e entrave à comunicação — é o idioma que se ouve ao entrar nas lojas.
— Já me acostumei a Porto Alegre, mas o português é muito diferente — diz Xian, 42 anos.
Natural de Qing Tian, uma cidade "pequena" no sudeste da China — estima que o local tenha em torno de 500 mil habitantes —, ele é dos mais antigos chineses na galeria. Chegou ao Brasil há mais de 10 anos, quando a situação econômica em sua cidade era ruim. Naquela época, recorda, a migração foi o caminho encontrado por ele e outros conterrâneos, que deixaram o lugar para estabelecer-se em diferentes continentes.
Em seu bazar, vende principalmente bolsas e malas — há produtos diversos, de brinquedos a roupas, boa parte trazidos de seu país. À exceção do português, idioma no qual ainda se expressa mal, adaptou-se rapidamente à capital gaúcha, onde vive com a mulher e três filhos, todos nascidos em Porto Alegre. Mas não esconde certa frustração com a vida no Brasil depois da crise econômica, que se refletiu nos negócios. Especialmente em comparação com as melhorias que ocorreram em seu país nos últimos anos — a China é uma das maiores potências mundiais.
— Mudou muito (lá). Agora é tudo novo, com prédios altos — conta o comerciante, que foi visitar o pai em sua terra natal em fevereiro.
A economia estagnada do Brasil também preocupa Xiaog In, 40 anos. Dona de uma loja que vende mochilas infantis, brinquedos e materiais escolares, observou as vendas caírem nos últimos dois anos.
— Por enquanto, está bom. Mas se ficar ruim podemos voltar. Lá, temos a nossa casa e não precisamos pagar aluguel — conta a comerciante, que chegou na Capital há cinco anos para viver com o marido, já estabelecido.
Assim como outros chineses, adotou um nome "brasileiro": Bianca — Xian apresenta-se como Johnny. De imediato, apreciou o clima da cidade, que, na sua avaliação, "sempre parece primavera". Também gostou da comida, embora sinta falta das variadas sopas que costumava consumir em seu país.
Grávida do segundo filho, relata que sente dificuldades em se comunicar — ainda assim, mostrou-se a mais eloquente entre os entrevistados. Mas procura, aos poucos, adaptar-se à cultura local. Tanto que fez questão de dar ao primogênito um nome que soasse como o português. Sem muitas referências, inspirou-se em termo que achava bonito: a palavra livro deu origem a Lívio, que também empresta seu nome ao bazar.
Se a mudança para Porto Alegre uniu a família de Xiaog In, promoveu a separação dos parentes de Tong Xi Lu, 47 anos. Ele deixou a esposa e filhos trigêmeos há cerca de sete anos para tentar a sorte na Capital. Proprietário de um estabelecimento que vende produtos eletrônicos para atacado e varejo, viu os negócios prosperarem rapidamente: além da loja na Capital, tem uma filial em Caxias do Sul e outra em Florianópolis (SC).
Avalia que a vida melhorou também em outros âmbitos. Considera o Brasil menos poluído que seu país e diz que o custo de vida é mais baixo nos trópicos. Apesar das facilidades, destina pouco tempo ao lazer. Abre a loja que leva seu nome por volta das 8h e lá permanece até depois de fechar as portas, às 18h.
Compensa no sorriso tímido a falta de habilidade com idioma, do qual conhece apenas números e palavras soltas. Para comunicar-se com os quatro funcionários, conta com a ajuda de um sobrinho — também tem uma espécie de "tutor" que o auxilia com trâmites burocráticos. Na ausência de um intérprete, como na manhã em que conversou com a reportagem, usa o Google tradutor para formular frases e exibi-las na tela do celular. Já para falar sobre a saudade da família, que pretende trazer ao Brasil quando os filhos concluírem os estudos, não precisou de ajuda:
— Muita... Muita — balançou a cabeça.
Dia da Imigração Chinesa
Em 2018, a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado aprovou o relatório de Marta Suplicy (MDB-SP) que estabeleceu 15 de agosto como o Dia Nacional da Imigração Chinesa no Brasil. A data foi a escolhida porque neste dia, em 1900, ocorreu a chegada oficial dos primeiros imigrantes chineses a São Paulo, segundo registros oficiais.
Atualmente, os chineses representam cerca de 5% do número de imigrantes registrados no país. Boa parte deles concentram-se no Rio de Janeiro e em São Paulo e têm um traço em comum com os entrevistados nesta reportagem: dedicam-se principalmente a atividades comerciais, como lojas de roupas e pastelarias.