Sempre que o empresário é chamado para falar sobre o presente e o futuro de Porto Alegre, a anedota é repetida. Os personagens são um diretor da empresa e sua filha de quatro anos. Logo após a inauguração do trecho da orla do Guaíba revitalizado, o pai colocou a filha na cadeirinha da bicicleta e levou para uma passeio. Pedaladas depois, deu-se o seguinte diálogo:
— Pai, onde a gente está?
— Perto da nossa casa, filha.
— Não, pai. Aqui não é em casa. Aqui é quando a gente viaja.
Juliano Melnick, diretor-executivo da construtora Melnick, é quem conta a história por aí afora. Para ele, emblemática:
— Até uma criança de quatro anos observa o potencial daquela região para o turismo e para o entretenimento, que é o que fazemos quando viajamos. É natural que o mercado haja da mesma forma.
Com a aprovação unânime da revitalização do trecho 1 da orla, a licitação do trecho 3 já concluída e uma consulta pública sobre o trecho 2 que inclui até uma roda gigante, o otimismo deve se espalhar da Edvaldo Pereira Paiva para a Diário de Notícias e tomar o rumo da orla em direção à Zona Sul. Avançam três projetos que, conforme saiam das pranchetas, devem mudar a cara da região a partir da próxima década: as torres do Beira-Rio, o Pontal e o residencial Golden Lake, uma espécie de Barra da Tijuca porto-alegrense. Conforme efetivados, os projetos devem vir acompanhados de contrapartidas que podem completar até sete quilômetros de revitalização da orla com investimento privado.
O mais embrionário deles é o de duas torres comerciais ao lado do Estádio Beira-Rio, empreendimento do próprio Inter, que deve convidar construtoras parceiras. A repercussão de opiniões divididas, todavia, surpreendeu o vice-presidente do clube, Alexandre Chaves Barcellos. O projeto recebeu críticas pelas dimensões — seria o maior prédio do Estado, com 130 metros — e por se tratar da exploração de uma área doada originalmente pelo poder público há 63 anos para fins esportivos.
— Acho que se falou demais de aspectos do projeto que são secundários. O tamanho está sendo debatido. A Câmara de Vereadores vai dizer o quanto pode ser construído. E o fato de ser uma doação não impede o clube de construir algo que gere renda para ele e tenha impacto positivo na cidade. Esse projeto piloto já incluía um parque e um terraço totalmente abertos ao público — declara Barcellos.
O acesso público ao que antes era privado também é argumento de Juliano ao falar dos benefícios para a cidade do Pontal, projeto a 1,7 quilômetros do Beira-Rio atualmente em construção pela Melnick e pela BMPar que inclui parque, shopping, centro médico, hotel, espaço de eventos e torre comercial. A diversificação dos negócios é estratégica no atual momento econômico pouco favorável. Outra é a exclusividade.
— Digamos que surja uma sala comercial bacana em um prédio da Avenida Carlos Gomes, por exemplo. Quem compraria hoje, mas tem receio de se descapitalizar, sabe que daqui a alguns anos pode achar uma sala semelhante. Mas quem deixa de comprar no único empreendimento privado realmente à margem do Guaíba pode não ter outra oportunidade. Em períodos de crise, os projetos que se beneficiam são justamente os que oferecem algo de singular e exclusivo — opina Juliano.
Mais um quilômetro à frente, haverá um empreendimento que promete não vender apenas residências, mas um estilo de vida inédito em Porto Alegre. Em cerca de 10 dias, a construtora Multiplan toma posse em definitivo do terreno em que ficavam as baias do Jockey Clube. Ali, a mesma construtora do BarraShoppingSul pretende introduzir o conceito de bairro privativo, com um condomínio de 19 torres residenciais e atrações que incluem até um balneário artificial em meio aos prédios. A longa lista de contrapartidas à cidade inclui a revitalização da orla ao longo da Diário de Notícias, desde o museu Iberê.
— Temos um olho nesse empreendimento e outro no shopping, e a revitalização nos interessa. Por isso é provável que façamos mais do que o termo de compromisso com a prefeitura nos obrigaria neste primeiro momento — avalia Pedro Côrtes, diretor de incorporação da Multiplan.
Segundo o professor da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Benamy Turkienicz, especialmente por se tratar da região da orla, os empreendimentos precisam respeitar a "dimensão urbana".
— No caso do condomínio de prédios, por exemplo. É um terreno muito longo. Se eu estiver de bicicleta por ali, o que acontece? Vou passar por um muro? Terá alguém zelando pela minha segurança? Aspectos assim precisam ser contemplados — declara o professor.
Turkienicz aponta ainda que tempo poderia ter sido poupado nesse debate — que travou por anos, por exemplo, a obra do Pontal — se a Porto Alegre contemplasse o que ele chama de "escala intermediária" no Plano Diretor, deliberando sobre a vocação de cada região. Ele espera que isso ocorra na atualização do plano, em 2020.
— Se fica estabelecido que na região da orla a circulação a pé não pode ser impedida, por exemplo, não é preciso voltar a esse ponto a cada tentativa de um novo empreendimento.
Embora ainda esteja na fase conceitual, a revitalização do ponto em que hoje está o Jockey teria foco no lazer e na integração com os clubes náuticos da região, com largo píer e um deque submerso. Algo que Juliano, da Melnick, também aponta como um déficit urbanístico.
— Se olharmos para regiões como o Delta do Tigre, na Argentina, fica claro o quanto estamos atrasados na exploração das marinas do Guaíba. No Pontal e em outros tantos empreendimentos da orla, acho que passamos tempo demais discutindo até concluir que jamais haverá consenso e dar um passo frente mesmo assim. Continuar caminhando é mais fácil — declara Juliano.
Uma nova cara para a beira do Guaíba
Torres do Beira-Rio
O Inter deseja construir um complexo imobiliário junto ao Beira-Rio. O projeto-piloto, feito pelo escritório Hype Studio, propôs duas torres (uma de hotel e outra com residências e escritórios), galeria comercial, centro de eventos, terraço, estacionamento, marina e píer no Guaíba. A maior torre teria até 130 metros, o prédio mais alto do Estado. Segundo o vice-presidente, Alexandre Chaves Barcellos, trata-se apenas de uma ideia e ainda embrionária. A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, que analisa o Estudo de Viabilidade Urbanística, e a Câmara de Vereadores precisam dar parecer favorável ao empreendimento.
Pontal
Único empreendimento privado da orla para o lado do Guaíba, onde estava localizado o antigo Estaleiro Só, o Pontal contará com um parque que será integrado urbanisticamente aos trechos já revitalizados da orla. No local, estão previstos um parque, torre comercial, hotel, shopping, centro de saúde e espaço de eventos. O projeto prevê 115 mil metros quadrados de área construída, com 92 mil metros quadrados de shopping e 23 mil metros quadrados da torre. A obra, feita em parceria pela Melnick e pela BMPar, já está em andamento, na etapa de montagem das fundações, e a previsão de entrega é para 2022. O investimento ultrapassa R$ 300 milhões.
Golden Lake
Desde o nome, o empreendimento da Multiplan, a mesma do BarraShoppingSul, é inspirada no Golden Green, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro — o último com jardins projetados por Burle Marx, que conta com 14 torres, dois clubes e um campo de golfe. Em Porto Alegre, a ambição é semelhante. No amplo terreno em que hoje estão as baias desativadas do Jockey Clube, ficarão 19 torres residenciais entremeadas por atrativos como canais navegáveis, compondo um bairro privativo. As quatro primeiras devem ser lançadas em 2020, e, as demais, conforme a demanda. O investimento total é de R$ 2,5 bilhões.