O mesmo fenômeno que sumiu com os folhetos de telentrega das geladeiras dos porto-alegrenses tem levado estabelecimentos da cidade a rever as estratégias. Atraindo cada dia mais usuários de barriga vazia e celular na mão, aplicativos como IFood, UberEats e Rappi colaboram para o crescimento do mercado de delivery. Para o dono de restaurante, eles criam uma nova vitrine e dispensam a contratação de motoboys. Já os clientes, eles seduzem com códigos de promoção e a possibilidade de escolher, pedir e pagar pela internet — sem precisar sacar dinheiro e falar com alguém.
Essa tecnologia foi determinante para Luan Miranda de Lima, 28 anos, e Gabriel da Rosa, 23 anos, abrirem uma pizzaria de delivery na Rua Joaquim Nabuco há três meses. Luan lembra que, pouco tempo atrás, o empreendimento que começava do zero precisava ter uma boa reserva para se manter até fazer clientela, grana que eles não tinham. Conta que investiu apenas em material e pessoal para o primeiro mês, e os aplicativos já deram o retorno equivalente no final dos 30 dias.
— A Império das Pizzas já foi criada para trabalhar para os aplicativos. Aproveitei essa onda, esse marketing que os apps fazem para divulgar a minha marca. Tenho a ciência de que, sem eles, não conseguiria manter a pizzaria — relata Luan, acrescentando que, nos 15 primeiros dias de operação, 90% dos pedidos chegavam dessa forma.
Restaurante tradicional do centro de Porto Alegre, o Atelier de Massas trabalha com quatro aplicativos: IFood, UberEats, SpoonRocket e Rappi. Há dias em que vende mais pedidos de entrega por meio deles do que serve clientes no espaço de dois pisos na Rua Riachuelo. O proprietário Gelson Radaelli relata que contratou mais dois funcionários ao final de semana para receber pedidos, embalar e repassar os produtos para o entregador (vinculados ao app, eles não têm relação com o restaurante).
Para Radaelli, a novidade "chegou em boa hora". Em razão do bloqueio da rua por causa do risco de desabamento da fachada da Casa Azul, que ocorre desde maio do ano passado, ele perdeu parte da sua clientela presencial. A demanda pela internet "acabou compensando". Caso semelhante ocorre no Porta Larga, restaurante familiar na Erico Verissimo, que, pela primeira vez em 30 anos, oferece opção de entrega de marmitex (com arroz, feijão, massa, polenta, tomate, carne ou frango) e xis por meio do Rappi.
— Estava caindo o movimento do restaurante, e essa novidade ajudou muito - diz Tatiane Lourdes Giaroli, 35 anos, filha do proprietário.
Tecnologia atende a público mais jovem
Um aplicativo como IFood e UberEats é uma praça de alimentação gigante na palma da mão do cliente, diz Alessandro Souza, coordenador do curso de Publicidade e Propaganda da ESPM, e as empresas precisam se diferenciar para que os clientes coloquem seu produto no carrinho. As formas mais comuns de chamar atenção são o preço — tem app com seções de pratos com até 70% de desconto — e a nota dada pelos usuários. Se o boca a boca sempre pôde alavancar um restaurante — ou mesmo destruir sua reputação —, no meio digital essa dinâmica é ainda mais veloz.
— Tua marca está lá para milhares de pessoas, os atributos são colocados publicamente. Tudo que tem mais comunicação envolve mais exposição — ressalta Souza.
O designer e artista Yulan Wilges Cardoso, 28 anos, é um que leva em conta os comentários de outros usuários antes de pedir comida:
— Antes dos aplicativos, eu ligava sempre para o mesmo lugar. Agora, arrisco mais com lugares que nunca pedi. Mas, sem avaliações, isso seria difícil, como um tiro no escuro.
Marina Kindlein, 23 anos, passou a pedir comida com muito mais frequência desde que baixou o IFood. Costuma variar entre lanches e refeições, escolhendo até pratos que nunca comeu, de lugares que nunca frequentou. No último mês, foram oito pedidos — pelo menos quatro vezes o que costumava solicitar por ligação antes dos apps. A preguiça é um dos motivos: avalia que o esforço de fazer comida só para si e lavar toda a louça depois não compensa. Acredita que os apps facilitaram o processo.
— Se puder, compro tudo pela internet. É mais fácil, tem mais variedade à mão, faz de onde quiser e paga no cartão — diz ela.
Alessandro Souza lembra que as primeiras gerações de nativos digitais estão alcançando poder de compra — e, inclusive, pedindo comida pelos apps em nome da família. Ele afirma que essa tecnologia atende em grande parte um perfil mais jovem e tímido, que não é fã de contato e acha até mesmo obsoleto passar um tempo "pendurado no telefone".
Fator segurança influencia, diz presidente do Sindha
O mercado de delivery movimentou R$ 11 bilhões em 2018 no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). É cerca de R$ 1 bilhão a mais do que no ano interior, em tempos de crise, e as plataformas digitais de delivery ganham boa parte dos créditos nesses números.
Henry Starosta Chmelnitsky, presidente do Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (Sindha), avalia que há uma tendência dos restaurantes e lancherias de Porto Alegre de focar mais esforços em delivery. O motivo é essa tecnologia, aliada à capacidade de investimento (delivery é mais barato do que uma operação para atendimento presencial, e não precisa ter um endereço de prestígio) e ao fator segurança. Bem como Chmelnitsky, boa parte dos empresários ouvidos na reportagem acredita que as pessoas têm evitado sair com tanta frequência por medo de assalto.
Mas o presidente do Sindha vê o avanço dos apps com cautela. Lamenta que os estabelecimentos estejam perdendo o contato com o cliente e o conhecimento para fidelizar a freguesia.
— Informações como o dia que o cliente nasceu, como gosta de ser abordado, preferência de pedido na sexta-feira, o que faz no sábado, para dar um atendimento mais personalizado, isso tudo você transfere para um software que atende 700, 800 operações. O cliente do restaurante passa a ser cliente do app — explica.
Andrea de Sá Holdefer, proprietária do Bauru Country, lembra que, quando lancheria começou a atender por telentrega, há 20 anos, quase não tinha concorrência em delivery. Ela destaca outro ponto dos aplicativos não tão positivo para restaurantes consolidados:
— Entra qualquer um, basta ter CNPJ. A gente percebe uma concorrência desleal, gente nova entrando com promoções que não vão aguentar manter por muito tempo.
Com um endereço para atendimento presencial e outro para produção de delivery alguns metros adiante na Avenida Getúlio Vargas (além de ponto na Rua Pedro Ivo), o Bauru não demitiu os motoboys, mas pode ser encontrado em aplicativo também — "foi um mal necessário", segundo Andrea. A venda pelo meio representa cerca de 30% do faturamento.