Agora prevista para ser entregue à população no fim de junho, depois do sexto adiamento em dois anos, a revitalização do Largo dos Açorianos, no centro de Porto Alegre, é um drama em câmera lenta. Prestes a completar mil dias, a intervenção na área de 4 mil metros quadrados, se dividida pelo tempo de execução, avançou, diariamente, apenas quatro metros quadrados desde a ordem de início, em outubro de 2016.
Enquanto os prazos foram postergados, com anuência da prefeitura, o valor estipulado inicialmente teve incremento de 15%, passando de R$ 4,7 milhões para R$ 5,4 milhões. O término dos serviços deveria ocorrer em maio de 2017. Depois, foi transferido para fevereiro de 2018, junho, dezembro, março de 2019, maio, e agora, junho. A demora na entrega, que extrapola o prazo inicial em mais de 700 dias, já representa quase três vezes os nove meses previstos para a obra.
A mais recente justificativa da empresa Elmo Eletromontagens para adiar a entrega foi o grande volume de chuva no mês de maio, que teria dificultado a conclusão da obra realizada a céu aberto. Antes disso, a "incapacidade da empresa em cumprir o cronograma" foi o principal motivo citado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e da Sustentabilidade (Smams) para os atrasos.
Questionada sobre os problemas específicos relatados pela contratada, a Smams diz ter notificado a executora em oito oportunidades, mas que "não rompeu o contrato" por não haver segundo colocado no "processo licitatório, o que impede eventual convocação de outra empresa para dar continuidade aos trabalhos, sem que seja realizado novo processo de licitação".
A Elmo Eletromontagens informou que o diretor responsável por falar com a imprensa está no Exterior e, portanto, não poderia atender à solicitação de entrevista.
Mais de 95% do projeto concluído
Até o fim de maio, foram executados 95,76% dos serviços previstos para o local histórico – ainda falta concluir a construção de parte das arquibancadas, realizar a pavimentação, fazer as instalações hidráulicas, iluminação pública e plantio de grama.
Para especialistas, a delonga é desproporcional ao tamanho da praça – em comparação, 1,3 quilômetro da orla do Guaíba, que inclui estrutura de bares e restaurantes, mirantes, ciclovia e quadras esportivas, levou dois anos e oito meses para ficar pronto. Com 72 metros de comprimento e 32 de altura, o Viaduto Abdias do Nascimento, na Avenida Pinheiro Borda, foi construído em um ano e nove meses.
– Pelo tamanho da obra, em condições normais, poderia ficar pronta em seis meses. É um lugar que não tem um problema de logística, não tem de interromper via, é um canteiro fechado. Está liberado para trabalhar até 24 horas se a empresa quiser – destaca Fernando Martins Pereira, diretor do Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS).
Percepção semelhante tem Marco Antônio Kappel Ribeiro, vice-presidente do braço gaúcho da Project Management Institute (PMI-RS), instituição internacional voltada à gestão de projetos. Na avaliação dele, a prefeitura tem demonstrado "muita consideração" com uma empresa que se mostrou incapaz de honrar o compromisso assumido com o poder público.
– Até se pode entender um ou dois adiamentos em razão da situação econômica atual, que colocou muitas empresas em dificuldades. Mas seis adiamentos em três anos não têm justificativa consistente. Demonstram incapacidade em executar a obra – diz Ribeiro.
Licitação por pregão seria um problema
Especialistas também concordam que, de modo geral, os atrasos em obras públicas dificilmente estão relacionados a questões puramente técnicas. Fatores externos, como a obtenção de licenças e entraves burocráticos para executar os trabalhos, estão entre os principais empecilhos ao cumprimentos de prazos. Nesse caso, apontam, a adoção de boas práticas de gestão, que incluem métodos claros de planejamento e fiscalização sistemática, podem ajudar a minimizar problemas.
Já no caso do Largo dos Açorianos, a discussão é mais ampla. Segundo o diretor do Senge-RS, esse tipo de problema é relativamente comum em obras licitadas por pregão, que privilegiam o orçamento mais baixo.
– Quando serviços de engenharia são licitados dessa forma, empresas aventureiras dão o menor preço para pegar a obra e acontece isso. Mas nem sempre o menor custo é o preço mais baixo. Obra cara é aquela que não termina – diz o dirigente, que destaca a necessidade de debate sobre os modelos de licitação para melhorar a qualidade dos serviços contratados pelo poder público.
Os adiamentos não foram o único inconveniente apresentado pela Elmo Montagens durante os trabalhos. Em dezembro passado, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) flagrou um "gato" em um relógio da prefeitura junto à obra – nesse ramal, a água era paga pelo município. À época, a empresa estava com débito de R$ 7 mil referente ao relógio instalado para uso, e teve ambos os ramais desligados – após o pagamento, a água foi religada.
Confira a íntegra da nota divulgada pela Smams sobre o Largo dos Açorianos
A ordem de início da reurbanização do Largo dos Açorianos foi assinada em 3 de outubro de 2016, com a empresa vencedora da licitação, Elmo Eletromontagens Ltda.
Nos primeiros meses de contrato, ainda em 2016, houve atraso no cronograma por parte da empresa contratada e também pela necessidade de interferências não previstas em redes subterrâneas do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) e da rede de alta tensão da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).
Em janeiro de 2017, o cronograma sofreu novas alterações em razão de determinação para análise de todos os contratos vigentes.
Com as obras retomadas, houve nova necessidade de reajustes ao cronograma devido ao rompimento de parte da rede de esgoto do Dmae na área do espelho 2, o que provocou vazamento de esgoto cloacal em grande quantidade, obrigando a diminuição do ritmo de trabalho, uma vez que foi necessária a retirada de toda a água acumulada antes do reinício dos serviços.
A revitalização e qualificação do Largo dos Açorianos revelou-se tecnicamente muito mais complexa do que o idealizado inicialmente, com adição de serviços não previstos ao longo da obra, como abertura de valas subterrâneas para colocação dos cabos de energia e envelopamento dos cabos, tubulação subterrânea e intervenções na canalização.
Faz-se oportuno destacar que toda a recuperação do Largo dos Açorianos ocorre a descoberto, ou seja, em local aberto. Isso afetou, particularmente, as intervenções no espelho d'água 2 (com dois mil m2 de área), pois é rebaixado mais de dois metros do nível do solo, ocasionando o recolhimento de muita água a cada episódio de chuva e obrigando a empresa a aguardar cerca de três dias para retomar os serviços neste ponto. Maio de 2019 foi o maio mais chuvoso em Porto Alegre em 35 anos de medições, de acordo com banco de dados público do INMET.
A Smams não rompeu o contrato com a empresa Elmo Eletromontagens, visto que não há segundo colocado para este processo licitatório, o que impede eventual convocação de outra empresa para dar continuidade aos trabalhos, sem que seja realizado novo processo de licitação.
Para conclusão dos trabalhos, dos quais já foram executados 95,76%, são necessárias as finalizações das arquibancadas, pavimentação, equipamentos, instalações hidráulicas, iluminação pública e plantio de grama.
Conforme disposto pela Lei Federal 8.666/93, conhecida como lei das licitações, é permitido acréscimo de serviços que representem um incremento de até 25% no valor inicial. O valor atualizado da revitalização do Largo dos Açorianos é de R$ 5.401.428,96, o que representa um incremento de 15,3%.
A requalificação do Largo dos Açorianos será finalizada até o final do mês de junho. Ressalte-se que, uma vez comunicada a conclusão dos trabalhos pela empresa, a Smams realiza vistoria técnica detalhada na obra, verificando se todos os itens foram executados como constam no memorial descritivo e solicitando os devidos reparos, se necessário.
A Smams procede o monitoramento por meio de controle semanal de produtividade das obras. É importante salientar que foram emitidas oito (08) notificações apontando irregularidades no cumprimento do contrato, as quais encontram-se em análise da defesa apresentada pelo empreendedor.