Uma das primeiras medidas adotadas por Nelson Marchezan ao assumir a prefeitura de Porto Alegre, em janeiro 2017, foi estabelecer um teto de R$ 9,2 mil brutos para a remuneração de pessoas nomeadas em cargos de comissão (CCs). No entanto, quase 30 meses depois, mais de 200 comissionados continuam ganhando mais do que o limite definido pelo prefeito. Mesmo excedendo o teto estipulado pelo Executivo, a prática não é irregular.
Na época, um texto publicado no site da prefeitura informava que uma ordem de serviço expedida pelo prefeito limitava “a remuneração de cargos em comissão (CCs) da Prefeitura de Porto Alegre em R$ 9,2 mil brutos, equivalente ao vencimento do CC8 (posto mais alto entre os comissionados)”.
Conforme dados obtidos por GaúchaZH junto ao Portal da Transparência, referentes à folha salarial de maio, dos 829 cargos comissionados nomeados no Executivo, 224 (ou 27%) têm remuneração básica maior do que o valor máximo definido há mais de dois anos.
A prática não é irregular porque a ordem de serviço que estabelece esse limite abre exceção para as gratificações atribuídas aos CCs. Na prática, isso permite que o salário bruto dos comissionados ultrapasse esse teto.
Atualmente, pelo menos 14 incentivos diferentes podem ser concedidos aos não efetivos, o que faz com que, mesmo com vencimento inicial baixo, a remuneração básica (em que estão incorporadas as gratificações) possa ser maior do que os R$ 9,2 mil.
Há, por exemplo, a Gratificação de Incentivo Técnico (GIT), paga a servidores que ocupam funções que exigem nível superior, que chega a dobrar o vencimento inicial dos servidores convocados para trabalhar 40 horas semanais. Já os funcionários que atuam no lançamento de tributos, na arrecadação e no controle de despesa também têm direito à Gratificação de Incentivo à Arrecadação (GIA), uma espécie de “estímulo à produtividade” dos comissionados.
Em fevereiro de 2017, reportagem de GaúchaZH apresentou um quadro parecido. Naquele ano, 215 CCs recebiam mais do que os R$ 9,2 mil definidos por Marchezan.
Na ocasião, a prefeitura afirmou que iria propor um projeto de lei para desindexar as gratificações dos salários básicos, e que um grupo de trabalho tratava da questão desde o início do governo. No entanto, nenhuma iniciativa de reformulação da remuneração de CCs foi encaminhada à Câmara Municipal.
Do total de CCs nomeados pela prefeitura, nove chegam a ter salário maior do que os R$ 19,4 mil recebidos mensalmente por Marchezan. O excedente, no entanto, volta para os cofres da prefeitura, pelo mecanismo conhecido como abate-teto, já que a Constituição Federal determina que o maior vencimento nas repartições de um município seja o do prefeito.
Por meio do Gabinete de Comunicação Social, a prefeitura de Porto Alegre disse que os valores pagos acima do teto são referentes a gratificações e que estão previstas em lei. Em nota, o município também informou que as gratificações têm a função de atrair técnicos e profissionais do mercado para a administração pública.
Leia a íntegra da nota enviada pela prefeitura de Porto Alegre:
"Em relação à matéria Mais de um quarto dos CCs da prefeitura de Porto Alegre recebe acima do teto definido por Marchezan, o Executivo esclarece que os valores que estão acima do limite estabelecido em 2017 referem-se a gratificações nas secretarias de Saúde, Fazenda e Planejamento e Gestão, e também na PGM (Procuradoria-Geral do Município), no Previmpa (Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos Municipais) e do Dmae (Departamento Municipal de Água e Esgotos). Todas são previstas em lei. Essas gratificações são compatíveis com as remunerações pagas em nível estadual e ficam abaixo daquelas concedidas pelo governo federal. Além disso, existem para atrair técnicos e profissionais do mercado."