— Colocadores, encerrou o papo!
A balbúrdia cessa na hora que alguém chama atenção, e cinco homens param junto a diferentes pontos da pista, prontos para desvirar veículos capotados. Quando uma voz computadorizada autoriza a primeira tomada de tempo da noite, o "piloto" pressiona o gatilho do acelerador (um controle parecido com uma pistola) e todos no depósito de ferragem reformado no bairro Santana começam a virar a cabeça para a esquerda e para a direita, para a esquerda e para direita. No mesmo ritmo e ao mesmo tempo.
O movimento repetitivo na velocidade que os carrinhos de pouco mais de 60 gramas atingem é de deixar novatos tontos. Os 36 metros de pista, incluindo sete curvas, são vencidos em menos de quatro segundos pelas miniaturas. E o barulho do carrinho a motor elétrico avançando sobre as fendas do solo — ruído que lembra uma furadeira ou broca de dentista — transporta 15 adultos no tempo no último clube de autorama de Porto Alegre, no bairro Santana.
— É um espaço que a gente tem para ser um pouco criança — diz o economista Marcelo Mondini, 42 anos, que, ainda vestido com camisa e sapato social, foi direto do escritório de advocacia em que trabalha reencontrar seus carrinhos.
Com empresários, publicitário, tabelião, representante comercial, mecânico, gerente de vendas, bancário, aposentados, o Racing Car Club é composto principalmente por gente que já praticava autorama quando pequeno e se reapaixonou depois de adulto. Boa parte dos integrantes do clube usava as pistas de autorama das lojas da Rua dos Andradas ou da Avenida Azenha da Hobby Brinquedos, cuja história foi lembrada por GaúchaZH nesta segunda-feira (11). Paulo Soares Costa, 46 anos, até se encontrou, adolescente, em uma das fotos resgatadas na reportagem (mais especificamente, a sétima da galeria). Exibia para os colegas do clube:
— Olha que magrinho!
Para ele, os encontros de segunda à noite são "uma terapia". É nesse turno que ocorrem os campeonatos do clube. Até julho, está rolando a Copa Fusca, em que só competem miniaturas no formato desse carrinho mais tradicional, que também é um dos mais difíceis de pilotar, por ter uma aerodinâmica ruim e sair voando por qualquer coisa, explicam os praticantes.
Junto a uma das curvas da pista, fica exposto, majestoso, o fruto da maior conquista do clube até então. O troféu foi trazido de São Paulo, de uma corrida que durou 12 horas — começou às 22h de um sábado e terminou às 10h do domingo seguinte, ocorrendo metade do tempo no escuro, só com a iluminação dos faróis dos carrinhos e das linhas junto às fendas da pista, que brilham no breu.
Marcelo Mondini conta que, no autorama profissional, a brincadeira pode sair bem cara. Relata que tem gente que troca oito vezes de motor durante uma corrida, podendo gastar mais de R$ 2 mil só nisso. Na Racing Car, esse não é o objetivo. Um motor apenas, de R$ 90, dura um campeonato inteiro. Em média, com o hobby, ele gasta R$ 300 por mês — R$ 230 com as despesas do clube, que os participantes racham, e o resto com manutenção.
O tempo investido nos carrinhos, obviamente, não conta nesse cálculo. Eles customizam os carrinhos, pintam, trocam as rodas, ficam um tempão amaciando o motor — tem quem ligue em uma fonte, quem coloque na gasolina de aviação, quem passe spray limpa contato. São as soluções de adultos encontradas para a brincadeira.
Paulo Soares lamenta a dificuldade que o autorama tem de se renovar. Para ele, isso se justifica pelo interesse das crianças apenas pelo videogame e por jogos tecnológicos.
— O hobby está no fio da navalha para se extinguir. Na hora que nós batermos as botas, o autorama do Rio Grande do Sul acaba.
O Racing Car Club fica na Rua Dr. Gastão Rhodes, 317. Costuma abrir sábado, das 15h às 19h, segunda-feira, das 19h até por volta de 22h (noites de campeonato). Nos sábados, o clube aluga carrinhos para uso na pista a R$ 30 (à tarde). Quem quiser participar, pode fazer contato pelos telefones (51) 99590-2460 e 99343-4032.