Embora o tom das declarações de representantes do governo Eduardo Leite e do consórcio Cais Mauá seja amistoso e no sentido de uma solução definitiva, as duas partes demonstram divergências consideráveis em torno da continuidade do projeto. Entre elas estão o pagamento da dívida do consórcio, a continuidade imediata da obra e a disposição de um enfrentamento na Justiça.
Uma semana depois de um grupo formado por integrantes da Secretaria Estadual dos Transportes e da Superintendência dos Portos sugerir que o contrato de revitalização do Cais Mauá fosse rescindido, o governador recebeu representantes do consórcio no Palácio Piratini, em Porto Alegre, na segunda-feira (15). Do encontro, veio a formação de outro grupo de trabalho para tentar chegar a um consenso. O presidente do consórcio foi breve ao final do encontro de cerca de uma hora e meia.
— Por enquanto, o que se pode destacar é a boa vontade, não só do governador, mas de toda a equipe, de resolver o problema. A ideia desse grupo é de viabilização do projeto, não de finalização — declarou Eduardo Luzardo da Silva, após a reunião.
A primeira grande aposta do consórcio, segundo o advogado Carlos Lamachia, é a inauguração do espaço de 19 mil metros quadrados próximo à Usina do Gasômetro que se chamará Cais Embarcadero. A área a ser inaugurada em setembro com restaurantes, áreas de lazer, quadras de esportes de areia, aparelhos de ginástica, calçadão e estacionamento é considerada um "marco zero" da obra, servindo como cartão de visitas para atrair novos investidores para o local. O aporte para essa primeira etapa da obra vem de uma parceria firmada por quatro anos com as empresas DC Set e Tornak Participações e Investimentos.
— Se o Embarcadero estiver funcionando a partir de setembro e estivermos lá em uma área extraordinária dentro de Porto Alegre, na beira do nosso Guaíba, lembrando outras cidades absolutamente desenvolvidas, será que não vamos gerar mais investimento nessa área? — questiona Lamachia, salientando que, em meio ao imbróglio, as obras do Embarcadero seguem "a todo vapor".
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade desta terça-feira (16), Luiz Favieri, sócio-diretor da gestora do fundo que controla a Cais Mauá do Brasil S/A, a Lad Capital, declarou que o Embarcadero "não modifica ou atrapalha" o andamento do projeto do Cais como um todo, mas é uma forma de antecipar entregas à população da cidade.
— O marco zero é apenas uma maneira de nós entregarmos para Porto Alegre, até aproveitando a onda que orla gerou. A demanda e o sucesso da orla nos ajudou muito. Mas é uma maneira de abrir alguma coisa para o porto-alegrense que está de fato carente e não aguenta mais esse imbróglio do Cais Mauá — declara Favieri.
Se o Embarcadero estiver funcionando a partir de setembro e estivermos lá em uma área extraordinária dentro de Porto Alegre, será que não vamos gerar mais investimento nessa área?
CARLOS LAMACHIA
Advogado do consórcio
Superintendente de Portos e parte da equipe do Estado que recebeu o consórcio, Fernando Estima reconhece os méritos da iniciativa, mas faz ressalvas sobre a continuidade do Embarcadero até que revise o contrato com o consórcio.
— O governador entende que temos de fazer um esforço para que não interrompa, mas ao mesmo tempo a gente tem de ser responsável com os investidores envolvidos. Então, segue um pouquinho de dúvida de segurança jurídica para todos nós. Como fazer o marco zero sem ter feito a repactuação do todo? É como alguém que autoriza um showroom de um prédio que não foi pactuado para vender — compara Estima.
O governador entende que temos de fazer um esforço para que não interrompa, mas ao mesmo tempo a gente tem de ser responsável com os investidores envolvidos.
FERNANDO ESTIMA
Superintendente de Portos
Outro impasse diz respeito à dívida do consórcio pelo arrendamento da área do Cais que, no entendimento do governo, soma mais de R$ 6,2 milhões. Segundo Estima, não há margem legal para que a dívida não seja cobrada, pois o governo não pode abdicar de receita.
— Numa repactuação, terá de haver compensações eventuais. Há previsão legal de substituir valores por investimento, e o Estado vai proceder com transparência. Na resposta, que não contabilizou positivamente, ele (o consórcio) pede o perdão da dívida mesmo sabendo que não tem a mínima condição — revela Estima.
Segundo Lamachia, o consórcio não reconhece o montante, mas espera que essa e outras questões que poderiam levar à rescisão do contrato não sejam levados à Justiça.
— Queremos evitar uma discussão sobre valores no campo judicial. O consórcio entende que a dívida não é essa, por uma série de razões jurídicas. O Estado poderia entender que a dívida é essa, por uma série de outras razões jurídicas. Se tivermos esse enfrentamento judicial, vamos paralisar o projeto Cais Mauá. Por isso, tenho dito que a pior solução é a judicialização do contrato. Me parece que o governador compreendeu isso — declara Lamachia.
Estima, todavia, declara que a judicialização "não assusta". Cita algumas vantagens de uma eventual rescisão, como possibilidade de o Estado receber o seguro do contrato firmado em 2010 e aplicá-lo em melhorias na área. Um novo contrato também seria uma forma de atrair investidores por um prazo de concessão maior já que, dos 25 previstos no atual contrato, mais de oito se passaram sem obras significativas. Por se tratar de área portuária, com ingerência da União, não é possível prorrogá-lo.
— Não pode ser a judicialização a maior pressão para a gente tomar uma decisão. A decisão deve ser tomada como a melhor alternativa para fazer acontecer o projeto. Não existe a possibilidade contratual (de prorrogação da concessão). Por isso, uma das análises é: se a gente interrompesse esse processo e o Estado relicitasse, por mais que pareça moroso, ele pode ser de futuro real uma decisão mais correta.
Nesta terça-feira (16), Leite se reuniu com Nelson Marchezan para tratar do Cais.
— Foi uma conversa de opções, de várias oportunidades que se tem. Buscar uma segurança, entregar à população aquela parte da cidade — afirmou o prefeito.
Ouça abaixo a entrevista de Luiz Favieri, sócio-diretor da a Lad Capital, gestora do fundo que controla a Cais Mauá do Brasil S/A, ao Gaúcha Atualidade desta terça-feira (16).