Um acampamento indígena da tribo caingangue tem mudado o cenário de quem circula por um dos pontos mais movimentados de Porto Alegre, a orla revitalizada do Guaíba. Quem passa pela região percebe que, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Parque da Harmonia, há barracas feitas com lonas pretas e azuis, circulação de homens com taquaras sobre os ombros e lenha queimando durante as primeiras horas do dia.
Cerca de 350 índios estão habitando o local desde 1º de abril e devem ficar até o dia 22. Eles desembarcaram de seis ônibus ao longo dos últimos dias para acampar no parque. Parte dos seus pertences vieram nos ônibus e o resto chegou em caminhões com as caçambas lotadas, que chegaram por volta das 6h do último sábado (10). Segundo a Secretaria Estadual da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, o número de pessoas acampadas pode chegar a 500 nos próximos dias.
Segundo o índio Miguel Farias, 46 anos, coordenador do acampamento, a presença das famílias tem como finalidade se aproximar de uma feira de páscoa que começa na próxima segunda-feira (15), na Rua da Praia. Enquanto a feira não começa, os índios aproveitam para preparar os produtos que vão ser comercializados, como cestas de palha e correntes. Um dos itens mais vendidos são os cestos com a flor de macela colhida no mato pela tribo — a erva é comumente usada em chás para aliviar em casos de azia.
Farias, que está dormindo em uma barraca com outras 11 pessoas, é de uma aldeia no município de Ronda Alta, no Norte, a 350 quilômetros de Porto Alegre. Ele vem à Capital há 18 anos na época de Páscoa e diz sempre estranhar o barulho dos carros e a movimentação a cidade grande. Conta, porém, que é uma boa oportunidade para vender os produtos:
— É bom ficar aqui. Temos segurança do parque, guardas e nos revezamos para cuidar das entradas aqui perto por causa das crianças. É tranquilo.
Na manhã de quarta-feira (10), quando GaúchaZH circulou pelo parque, flagrou cenas diferentes do cotiano da Capital. Os homens circulavam em sua maioria usando somente bermudas e de pés descalços, mesmo com o friozinho de 16 C° que fazia por volta das 6h. Eles ainda brincavam que frio faz nas aldeias, em meio ao mato, onde moram.
Outros índios preparavam o café da manhã. Zico Loureiro, 40 anos, fazia cestas enquanto, em uma panela, fritava com banha de porco em fogo de chão um bolo. Em outra panela, aqueciam o que parecia ser uma costela bovina.
— Isso é um "bolito" de farinha de trigo na banha. O café tem que ser reforçado para aguentar o dia de trabalho — brinca enquanto mostra os galhos de taquara que teria que descascar para depois entregar à sua mulher para que ela fizesse as tranças da cesta.
Também há idosos no acampamento. Moradora de Nonoai, Rosalina da Silva, 63 anos, estava sentada em um toco de árvore trabalhando com taquaras que eram passadas a ela por um de seus filhos. Ela vende os balaios por valores que vão de R$ 10 a R$ 20.
— Vendo por esse preço para comprar o pão de cada dia para as minhas crianças — explicou.
A Secretaria Estadual da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos repassou alimentos e produtos de higiene para o índios. A pasta também pagou um eletricista para que disponibilizasse luz elétrica para as barracas. As lonas foram doadas pela Defesa Civil. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e a prefeitura de Porto Alegre também estão prestando apoio aos caingangues.