A partir da Operação Gatekeepers da Polícia Federal (PF), que investiga desvio de recursos de investidores na revitalização do porto da Capital, a 7ª Vara Federal em Porto Alegre determinou o bloqueio de dinheiro do FIP Cais Mauá e da empresa Cais Mauá do Brasil (CMB) em 2018.
A ordem de sequestro alcançou R$ 80,1 milhões, mas foram, efetivamente, bloqueados R$ 13,6 mil, que era o saldo nas contas bancárias. Segundo a LAD Capital, que administra o FIP Cais Mauá desde junho, o valor já foi desbloqueado.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentação atípica de grandes somas, sem realização de obras no cais. Conforme o documento, a CMB teria contratado empresas de consultoria, aparentemente, apenas com objetivo de desviar recursos do FIP. Parte delas teria sido aberta em um mesmo mês, com sócios morando no Exterior e em endereços praticamente coincidentes, diz texto de um despacho judicial.
As negociações suspeitas teriam ocorrido até 2017 (quando o FIP era administrado pela NSG Capital Serviços Financeiros, que depois passou a se chamar Icla Trust), e envolveriam as empresas gaúchas Finance Moinhos Assessoria e a Huber Bittencourt Participações, localizadas em uma mesma sala na Rua Olavo Barreto Viana, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Em ata de reunião do conselho de administração da CMB, de setembro de 2014, consta que, naquela época, a Finance emprestou R$ 520 mil ao cais.
Conforme investigações, valores do FIP entravam em contas da Finance e da Huber e depois eram transferidos para a NSG Capital Serviços Financeiros, para seus dirigentes e para outra empresa ligada à NSG. Quebra de sigilo bancário mostrou que, em 27 de janeiro de 2015, por exemplo, teriam passado por contas da Finance e da Huber, no Banrisul, R$ 9,1 milhões, sendo que, no mesmo dia, foram transferidos R$ 1,8 milhão para a NSG e R$ 750 mil para outra empresa vinculada a ela.
Por conta disso, a Justiça Federal determinou o sequestro de imóveis, uma lancha, registrada em Santa Catarina, e três veículos blindados, uma Land Rover Evoque (ano 2014), um Tiguan (ano 2012) e um Porsche Macan (ano 2016), todos em nome da Huber Bittencourt Participações. A Justiça autorizou a PF a usar a Land Rover e o Tiguan como viaturas. Também foram bloqueados valores em bancos de pessoas ligadas à Finance.
Ademir José Schneider, prefeito de Santa Maria do Herval pelo PSDB nos anos 1990 e 2000 e ex-presidente da CMB (entre agosto e dezembro de 2013), teve R$ 2,9 milhões sequestrados. Ele foi, oficialmente, sócio da Finance no final de 2013, voltou à empresa em dezembro de 2014 e se afastou em março de 2015.
Também foram bloqueados em bancos R$ 291,2 mil de Julia Vassalo Maia Costa, presidente da CMB (entre setembro de 2014 a fevereiro de 2018), e R$ 328,1 mil do companheiro dela, Luiz Eduardo Franco de Abreu, administrador da NSG Capital.
Além deste caso, o empresário é réu, desde 2016, em processo que tramita na 15ª Vara Criminal do Forum Central de Porto Alegre, por crime contra a ordem tributária. Segundo denúncia do Ministério Público, ele teria se envolvido em sonegação de R$ 22,3 milhões em ICMS, em 2007, quando a NSG comprou ações de antigos acionistas da empresa Zamprogna S/A. Atualmente, o caso tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Abreu foi diretor do Banco Regional de Brasília, durante o governo petista de Cristovam Buarque (1995 a 1999), e vice-presidente de Finanças do Banco do Brasil no governo Lula, entre 2003 e 2005. Abreu deixou o cargo dias antes da queda de Henrique Pizzolato, diretor de Marketing e Comunicação do banco. Pizzolato foi condenado tempos depois no processo do Mensalão por formação de quadrilha, peculato, e lavagem de dinheiro.
Em Tocantins, o Tribunal de Contas do Estado apura suposto desfalque provocado pela NSG ao Instituto de Gestão Previdenciária do Tocantins (Igeprev). A NSG teria aplicado, de forma temerária, recursos do Igeprev em um fundo da churrascaria Porcão, que teve falência decretada pela Justiça do Rio de Janeiro em 2017. Processo que tramita na Justiça do Tocantins contra antigos gestores do instituto aponta perdas da entidade de R$ 14,7 milhões.
Contrapontos
O que dizem Iris Saraiva Russowsky e Fabrício Guazzelli Peruchin, advogados da Finance Moinhos Assessoria, da Huber Bittencourt Participações, de Sandra Mara Huber e de Ademir José Schneider:
— A defesa técnica somente se manifestará nos autos da investigação.
O que diz Carlos Eduardo Scheid e Paulo Ricardo Suliani, advogados de Julia Vassalo Maia Costa e Luiz Eduardo Franco de Abreu:
– Foram feitos contatos via e-mail e por telefone com o escritório de Carlos Eduardo Scheid, e também por meio de ligação para o advogado Paulo Ricardo Suliani, mas eles não se manifestaram.
Contraponto
O que diz o Partido Republicano da Ordem Social (Pros):
A reportagem enviou e-mail para o setor contábil do Diretório Nacional do Pros, em Brasília, mas não houve retorno.
O que diz Ana Paula Pearse, advogada dos sócios da Finance:
"As partes convencionaram verbalmente honorários advocatícios, sendo que somente não alcançado ao autor o saldo restante, da ordem de R$ 10.000,00 (dez mil reais), porque o mesmo passou a exigir valor maior, em descumprimento do quanto convencionado entre as partes. O processo em questão aguarda sentença. Em relação à mencionada doação ao partido Pros, desconheço motivação."
Dívidas, bloqueio e penhora
- Por conta de dívida de R$ 5,8 milhões com a empresa de consultoria M. Stortti, em 2014 a 11ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre bloqueou 51% das ações da empresa para garantir o cumprimento de um acordo. Segundo a CMB, o pagamento foi efetuado.
- Em abril de 2017, a Cais Mauá foi processada pela Gocil Serviços de Vigilância. Acordo homologado no final daquele ano pela 3ª Vara Cível do Foro Central da Capital definiu que a CMB deveria pagar R$ 272,9 mil. Naquela época, a empresa teria contratado, indevidamente, uma prestadora de serviços de limpeza e obras para a função de vigilância da área do cais.
- A CMB também se viu forçada a acordo judicial homologado pela 13ª Vara Cível do Foro Central para quitar dívida de R$ 292,2 mil com a Geconsul Engenharia. Contratada para gestão de projetos, a empresa interrompeu o serviço em 2016 por inadimplência da CMB.
- Em janeiro de 2016, a responsabilidade pelo sumiço de 700 metros de cabos de média tensão, que deixou o prédio da antiga Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) às escuras, foi atribuído à CMB. O governo está cobrando R$ 85,9 mil da empresa pelo custo do conserto da rede elétrica.
- Por alguns dias, em 2017, parte de móveis e utensílios da Cais Mauá foi penhorado e reservado para leilão por ordem do 4ª Juizado Especial Cível da Capital por causa de pendência com a Barth Indústria e Comércio de Embalagens. Segundo o dono da empresa, Roberto Barth, a CMB comprou e não pagou 5 mil sacolas plásticas para distribuir com material promocional durante a Feira do Livro de 2015. A penhora foi desfeita após a Barth receber R$ 3,2 mil.
- Um acordo tramita na 18ª Vara Cível do Foro Central entre a CMB e uma agência de publicidade, que espera receber R$ 242 mil.