Rozeli costumava varrer calçadas da Restinga envergonhada, de cabeça baixa. A patroa da casa em que fazia faxina, na Azenha, a convenceu de que o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) era a única alternativa de carreira para uma mulher semianalfabeta como ela. Concordou e até gostava do serviço, mas tinha vergonha de ser reconhecida como gari perto de casa. Ela lembra da primeira vez em que ergueu a cabeça. Ouviu a dona de uma ferragem chamar três crianças que faziam bagunça na frente da loja de “trombadinhas”. Doída, ergueu o boné laranja e foi tirar satisfação.
– São só crianças, qual é o problema? Sabe qual é o único problema delas? É gente que nem tu que coloca rótulo em gente como se fosse Pepsi. E tem mais: não vou limpar tua calçada.
Aos 55 anos, a presidente da ONG Renascer da Esperança conta a história de como se tornou “A Rozeli da Renascer”, às gargalhadas. Há capítulos tristes: ela mesma foi “trombadinha” e interna da Febem aos 11 anos. Aos 12, casou e engravidou. Aos 16, tinha duas filhas (hoje, são cinco). Passou por violência doméstica em dois casamentos antes de enviuvar.
A ideia da ONG veio em 1996, no dia em que ela e a amiga Learsi Kelbert, assistente social do DMLU, tiveram o mesmo sonho e interpretaram como um sinal divino. Estavam juntas e rodeadas de crianças. Decidiram concretizá-lo. Sua história estourou depois de Rozeli ter as comidas para a ONG furtadas e alguém contatar a RBS TV. O caso de uma gari que tentava fundar uma organização (e ainda por cima ser roubada e não desistir) despertou comoção potencializada pelo carisma da protagonista. A partir do episódio, ela conseguiu alguns dos patrocinadores que mantém até hoje.
Se tornou personagem curiosa: mantinha a ONG de dia, varria as principais avenidas da Zona Sul incógnita, à noite, e estudava no tempo que restava. Se aposentou do DMLU em 2018 e só uma vez foi reconhecida enquanto varria:
– Um carro parou na Cavalhada, uma pessoa desceu, disse que conhecia a minha história e me entregou um buquê de flores. Fiquei tão atordoada que nem perguntei de onde ela tirou aquilo.
Enquanto isso, a Renascer tomou conta de um terreno de 700 metros quadrados onde são atendidas 300 crianças e adolescentes até 15 anos.
– Não vou te mentir. O segredo foi a mídia. Nada impulsiona mais que a TV. Virei celebridade, fui em tudo que é programa, dei depoimento em novela – conta.
Um pouco por galhofa, Rozeli passeia nas ruas da Restinga como prefeita. Trata o bairro como município à parte, com mais de 50 mil habitantes. Beija crianças, acena aos vizinhos que assobiam durante as fotos para esta reportagem. Outros, sérios, a abordam com questões de família.
– É algo das comunidades pobres de Porto Alegre. Se tu vai na Cruzeiro, é assim. Na Vila Pinto, igualzinho. Tem uma Rozeli em cada lugar. A gente se protege e se governa – revela.