Demitido da função de serviços gerais há menos de 15 dias, Paulo Roberto Pedroso Ribeiro, 49 anos, do bairro Restinga, calculava nesta semana como faria para entregar o currículo no Sine municipal, no Centro da cidade, a 30km de distância. Sem receber da empresa onde trabalhava, tinha apenas dinheiro suficiente para pagar uma passagem de ônibus. A volta seria feita a pé ou pedindo uma carona ao cobrador. Se a agência do Sine municipal existente no bairro desde 2011 não tivesse fechado as portas no ano passado, Paulo só precisaria caminhar três quadras.
— O Sine faz muita falta porque estamos distantes do Centro. O problema é maior porque outros serviços importantes, aos poucos, estão deixando o bairro e ninguém diz o motivo — relata Paulo.
No último ano, pelos menos outros dois órgãos públicos — Foro Restinga e Departamento de Identificação — e a escola do Senai, que funcionava no bairro desde 1978, suspenderam as atividades e se transferiram para outras partes da cidade. Juntos, os quatro atendiam aos mais de 150 mil moradores do extremo sul da cidade — Restinga, Lami, Belém Novo, Hípica, Extrema, São Caetano, Lomba do Pinheiro — e também moradores de Viamão.
Para piorar a situação, os endereços antigos do Sine Restinga seguem ativos em sites de busca. Entre 2011 e 2017, o serviço mudou três vezes de lugar antes de ser extinto. Um dos pontos era na ONG Renascer da Esperança, fundada e dirigida pela gari Rozeli da Silva. E é na frente do prédio da entidade que ela depara com muitos desempregados, quando chega para abrir as portas.
— É comum eu chegar e encontrar pessoas esperando para serem atendidas. Já veio gente até da Cruzeiro e de Ipanema. Sento com elas e explico a situação — conta.
Para tentar reverter a situação, Rozeli mandou fazer placas novas identificando a ONG. Elas foram instaladas na frente do prédio para indicar que ali não existe mais o serviço municipal.
— Uma assistência como esta não poderia ter sido tirada do bairro. Parece que estamos andando para trás — resume.
Conforme a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, os dois Sines descentralizados — Restinga e Triângulo —, criados para facilitar o acesso aos moradores dos pontos mais distantes do Centro, encerraram as atividades em janeiro do ano passado por conta de uma redução de verba do Ministério do Trabalho. O serviço era mantido em parceria com a prefeitura. Desde então, apenas o atendimento da Rua Sepúlveda segue na Capital.
Identidade só a 17km
Seguindo o mesmo caminho do Sine, o posto de identificação que funcionava dentro da 16ª Delegacia de Polícia, em frente à praça Esplanada, também deixou a Restinga. A diarista Patrícia Lucas Marques, 40 anos, viúva há dois anos, não teve tempo de renovar as identidades dela e dos filhos Phétterson, sete anos, Suhellen, dez anos, e Suzana, 13. Para evitar problemas em consultas médicas e até na hora de matricular os filhos na escola, a diarista precisa renová-las. A de Phétterson, por exemplo, é de quando ele tinha menos de um ano de idade. Como só tem folga no domingo e as crianças estão na escola, ela pretendia ir com a família numa das folgas programadas no último verão, mas o posto fechou no começo de janeiro.
— Gastaria muito para ir com as crianças de ônibus até outro ponto. Vou esperar melhorar a situação financeira para poder fazê-las — diz Patrícia.
Por meio da assessoria de imprensa, o Departamento de Identificação informou que encerrou as atividades por falta de servidores, mas não citou a quantidade de atendimentos diários. Oficialmente, quando todos os equipamentos foram retirados, o fechamento ocorreu em março. Hoje, os atendimentos estão direcionados ao Tudo Fácil Zona Sul, no Bairro Tristeza.
Senai está agora a 30km
Das perdas recentes sentidas pelo bairro, a mais lamentada pelos moradores ainda é o fechamento da unidade do Senai, inaugurada em 1976 e fechada em outubro do ano passado. De acordo com o diretor regional do Senai-RS, Carlos Trein, desde o início das atividades, a escola ocupava uma área cedida pelo município juntamente com a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). Com o passar dos anos, o prédio foi se deteriorando e descumprindo a legislação que trata da prevenção de incêndio. Os custos de reforma chegavam a R$ 470 mil, em 2016.
— Como o imóvel era da prefeitura, cabia ao município adequá-lo, o que não ocorreu de acordo com os prazos estabelecidos em documento firmado entre o município e o Senai. É importante salientar que não podíamos realizar benfeitorias em prédios de terceiros — explica Carlos.
Outro fator que motivou o encerramento da unidade foi a diminuição da procura pelos cursos oferecidos no bairro. Até o ano de 2014 eram atendidos, em média, 200 alunos por ano. A partir de 2015, o número de matrículas passou a reduzir, até que em 2016 ficaram 36 alunos.
Em janeiro de 2017, o Senai Restinga não pôde realizar suas atividades escolares devido a três arrombamentos no prédio. Foram furtados equipamentos e todas as ferramentas manuais e elétricas e parte da rede elétrica, impedindo a continuidade do serviço no ano passado.
— Ressaltamos que o Senai mantém o atendimento ao bairro através das demais unidades de Porto Alegre, pelas unidades móveis e pela estratégia de educação à distância — salienta o diretor.
Foro promete voltar
Quando o Foro Regional da Restinga foi fechado para reformas, em setembro de 2016, a previsão de duração das obras era de oito meses. Na época, cerca de 20 mil processos e 80 pessoas (60 integrantes do Judiciário, mais 20 da Defensoria Pública e do Ministério Público) foram transferidos para o Foro do bairro Tristeza. O que os moradores da Tinga não imaginavam é que, até hoje, o prédio seguiria cercado por tapumes e com homens trabalhando no pátio.
De acordo com o Departamento de Infraestrutura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), o objetivo da reforma foi adequar a edificação para atender acessibilidade universal e Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI). A obra inclui serviços de instalação de elevador e banheiro PNE, pintura interna e externa, revitalização do piso, reforma das instalações elétricas e instalação de forro acústico com troca das luminárias para LED.
O Departamento garante que as obras serão finalizadas no final deste semestre. E o terceiro vice-presidente do TJ e presidente do Conselho de Comunicação Social, desembargador Túlio Martins, assegura que o Foro da Restinga voltará a funcionar normalmente com vara cível, juizado especial cível, distribuição e contadoria, protocolo e informações.
— Praticamente, toda a jurisdição retornará. A exceção será a criminal, que funcionará no Foro Central para a própria segurança de partes e testemunhas — afirma o desembargador, sem informar a data do retorno do Foro para a Restinga.
Surpresa
Enquanto isso não se concretiza, há quem ainda acabe sendo surpreendido pelo fechamento do serviço no bairro. Em páginas da internet, o endereço ainda segue aparecendo como sendo na Restinga. O erro acabou levando o chefe de cozinha Cristiano Paiva, 38 anos, de Novo Hamburgo, ao lugar errado. Ele precisava copiar um processo que tramita no Foro da Restinga.
Antes de sair do Vale dos Sinos, a mulher dele, a advogada Veridiana Paiva, ainda ligou para a OAB para obter informações e não foi alertada sobre o atual endereço do Foro.
— Via OAB, teríamos que pagar um valor alto pela cópia. Como eu viria ao Centro de Porto Alegre, me ofereci para fazer os trâmites em nome da minha esposa. Coloquei o endereço no GPS e vim. Não sabíamos da situação atual do prédio e de como o bairro é distante. Agora, vou ter que andar mais uns 20km até o outro Foro, que eu também nunca fui. Complicado — reclamou Cristiano, antes de fotografar com o celular o atual endereço, que está escrito numa placa pendurada no portão do prédio.
Transferência dentro do bairro
Na Restinga, nem sempre a distância é o maior problema para os moradores. Dois serviços ofertados pelo município provam que a mudança para um novo endereço dentro do bairro pode ser ainda pior do que se eles tivessem sido levados para outra região da cidade.
Em dezembro do ano passado, o Serviço de Atendimento Familiar foi encerrado na vila Barro Vermelho. No local, eram atendidas mais duas comunidades da área onde o bairro começou há 50 anos. O SAF visava fortalecer as famílias em situação de risco, dando acesso aos direitos e auxiliando na melhoria da qualidade de vida. O atendimento ocorria desde 2011, em convênio firmado com a Mitra Arquidiocese de Porto Alegre, e mantinha grupos de convivência, oficinas e atividades comunitárias.
Porém, conforme a Secretaria Municipal de Saúde, a Mitra passou por reordenamento e ajustes internos , encerrando o serviço. O atendimento das famílias da Restinga/Extremo Sul passou a ocorrer no CRAS da região, do outro lado da Estrada João Antônio da Silveira, na área mais recente do bairro. Os atendimentos contemplam os territórios do Barro Vermelho, Chácara do Banco e Vila Mariana.
— Muitas famílias são impedidas pelo tráfico de atravessarem para o outro lado da Restinga. Uma família do Barro Vermelho, que fica na Tinga Velha, dependendo da situação, jamais colocará os pés na Tinga Nova — revela um morador, pedindo para não ser identificado por medo de represálias.
Território
O mesmo problema ocorre com a Estratégia Saúde da Família Castelo, que ficava junto à Casa da Sopa, na Praça da Esplanada, na divisa entre os dois lados do bairro. No mês passado, a unidade deixou de existir e os 12 mil pacientes foram transferidos para a Clínica de Saúde da Família, dentro do Hospital da Restinga e Extremo-Sul, a 3km de distância do prédio anterior. No local quatro equipes de saúde atendem 18 mil moradores referenciados. São 400 consultas por dia.
— A promessa é de melhorar o atendimento, mas muitos não vão se arriscar a andar em território inimigo — resumiu uma moradora.