Faltando uma semana para o início do ano letivo, que começa hoje em todo o Rio Grande do Sul, moradores do bairro Xará, em Gravataí, foram surpreendidos com a demolição da única escola do bairro. A decisão foi comunicada aos pais, no mesmo dia em que a estrutura foi colocada abaixo. A Escola Estadual Carlos Bina tem uma matriz no bairro Sítio Gaúcho, e uma extensão que funcionava na Rua Princesa Isabel, no Xará. A edificação de madeira foi instalada em um terreno do Estado de forma provisória há 16 anos.
— A escola foi aberta para incentivar a permanência da população na zona rural. O Estado cedeu a área e o município disponibilizou a estrutura, que foi retirada de outro ponto e situada lá. Isso deveria ter durado um ano, mas ficou dessa forma por 16. Não era mais digno estudar no local, não era uma escola — explica a diretora Márcia Cristiane Soares.
Em anos anteriores, a extensão, que atendia do 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental, chegou a receber 110 alunos. Para 2019, tinha 64 inscritos. Segundo a direção, o anexo, como também era chamado, tinha infestação de cupins, infiltrações, problemas com a fiação elétrica e o piso estava solto. Por isso, foi solicitada uma vistoria e o local acabou condenado pela Coordenadoria Regional de Obras.
— Não tinha tempo hábil para nada, se nós deixássemos mais um ano daquele jeito, sabíamos que tudo ficaria igual. Uma reforma não atenderia a necessidade, apenas um prédio novo — detalha a diretora.
A decisão da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) foi então oferecer aos pais e alunos duas opções de estudo: a própria matriz da Carlos Bina, localizada a 8 km do bairro Xará, e a Escola Estado de São Paulo, a 6km. Oito alunos foram para a Carlos Bina e os demais optaram pela São Paulo. Os três professores que atendiam na comunidade retornaram para a matriz.
Promessa era de escola agrícola
Presidente da Associação Sociocultural Vila Xará, Antonio Graciano, 58, conta que a proposta do Estado para escola, há 16 anos, era de que fosse essencialmente agrícola. O projeto nunca saiu do papel. E apesar dos sérios problemas estruturais, garante, a instituição atendia às necessidades da comunidade. Estava com um refeitório novo, construído há pouco tempo.
— Fizeram tudo por trás dos panos. Tomaram a decisão e passaram com a máquina por cima de tudo. A cozinha e os banheiros não estavam condenados. Será que não era possível reformar só a parte de madeira? A gente entende que escolas devem ser construídas e não demolidas — aponta o líder comunitário.
Moradores lembram que além de ter sido usada, muitas vezes, para eventos da comunidade, a extensão da Carlos Bina também era seção eleitoral do bairro. Um grupo está mobilizado e realiza abaixo-assinado pedindo atenção do município e do Estado.
Pais buscam solução
A dona de casa Denise Farias, 28, tinha três filhos, de nove, oito e seis anos, na instituição. As aulas iniciam hoje e ela nem sabe onde os filhos irão estudar.
— Eu não tenho dinheiro para pagar passagem e ir até a escola fazer a transferência. Provavelmente, agora no começo, eles não irão ao colégio porque ainda não sei o que fazer. Gostaria que meus filhos estudassem aqui no Xará — lamenta a mãe.
Eva Scheneider, 68 anos, tem dois netos que estudavam no anexo. Um irá para Escola Estado de São Paulo e o outro, provavelmente, para a Carlos Bina.
— Este neto que seria transferido para o Carlos Bina, os pais não estão querendo que ele vá para lá, porque não acham seguro. Os dois trabalham, não têm como levá-lo. Se for a pé, tem que atravessar a RS-030 e passar por um cruzamento muito perigoso — observou Eva.
Outra mãe que questiona a demolição da escola e a forma como o processo foi conduzido é a operadora de produção Silvana Martins, 38, que tem uma filha de nove anos.
— Garanti a matrícula da minha filha na Carlos Bina, mas não sei como ela vai ir até lá. Estamos sem chão, como assim destruir uma escola uma semana antes de as aulas começarem? — questiona.
A Seduc informou que o transporte escolar está sendo providenciado. Questionada pela reportagem se seria para todos os estudantes, a secretaria não respondeu. A diretora da escola, no entanto, disse que o transporte será ofertado para os alunos que optaram pela Escola Estado de São Paulo por estar localizada na zona rural e, aos demais, que comprovadamente têm baixa renda, será viabilizado o passe livre, como previsto em lei.