Os relógios de rua de Porto Alegre já deixaram de marcar 31 mil horas desde que foram desativados, em julho de 2015, devido a uma combinação entre burocracia e falhas de planejamento e em licitações.
A prefeitura promete lançar, nas próximas semanas, um novo edital destinado a acabar com os sucessivos atrasos e instalar equipamentos capazes de informar hora, temperatura, radiação ultravioleta, além de fornecer sinal de Wi-Fi e contar com câmera. O governo havia prometido abrir licitação ainda no ano passado, mas resolveu esperar a aprovação da nova lei do mobiliário urbano na Câmara. O projeto foi votado em dezembro e deve ser enviado pela Câmara para sanção do prefeito Nelson Marchezan nas próximas semanas.
A nova previsão é mais uma tentativa de dar corda a um projeto que se arrasta há longos três anos e meio. Quando os aparelhos funcionaram pela última vez, Barack Obama ainda era presidente dos Estados Unidos, Fidel Castro estava vivo, e o Uber não havia desembarcado na Capital. Desde então, se sucederam, por ordem, três tipos de obstáculo: imbróglios judiciais, falhas em licitações e burocracia.
Mesmo quando marcavam as horas, os relógios da Capital não funcionavam nas condições ideais: a empresa Ativa explorava a publicidade sem licitação ou exigência de dividir o lucro com os cofres municipais. A intenção da prefeitura de licitar o sistema foi barrada por um processo judicial que se arrastou por 16 anos, até 2015, quando a Justiça permitiu que os relógios fossem concedidos sob um novo contrato. Nessa hora começaram outros problemas. O primeiro foi a falta de sincronia entre a interrupção e a retomada do serviço.
— A prefeitura tinha de ter planejado uma transição para que a população não ficasse desamparada. Isso não foi feito — analisa Dannie Dubin, presidente da Associação Gaúcha das Empresas de Propaganda ao Ar Livre (Agepal).
Depois disso, houve falhas conceituais e técnicas em duas concorrências realizadas nos meses seguintes. Na primeira delas, a prefeitura decidiu conceder não só os relógios, mas um conjunto de mobiliário urbano considerado pouco atrativo pelas empresas que incluía placas de rua (sem exploração de publicidade), paradas de ônibus e pontos de informação. Resultado: nenhum empresário se interessou.
Em uma segunda tentativa, foram licitados somente os relógios e as placas de rua. Mas, em outro contratempo, a alteração de regras do edital levou a questionamentos do Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas do Estado. Tudo voltou ao começo. O ex-prefeito José Fortunati entende que não houve erro de gestão:
— Nem sequer havia contrato com a empresa para a exploração dos relógios, que não revertia em nenhum centavo para a comunidade. Foi preciso recorrer à Justiça para regularizar essa situação. Em relação às licitações, contratamos uma consultoria. Não foi achômetro. A vantagem de licitar tudo junto é que a empresa que assumisse o filé, como os relógios em áreas centrais, também se responsabilizaria pela carne de pescoço, como as placas de rua em regiões periféricas.
A gestão Nelson Marchezan assumiu com o compromisso de destravar esse tipo de projeto, mas não conseguiu superar barreiras burocráticas. A Secretaria de Parcerias Estratégicas realizou uma audiência pública para escolher a localização dos equipamentos, manteve o edital por meses na Central de Licitações e na Procuradoria-Geral do Município (veja cronologia no quadro a seguir), depois realizou uma nova consulta pública para colher mais sugestões. Por fim, decidiu esperar a Câmara aprovar uma nova lei geral do mobiliário urbano para que o edital, quando for lançado, já esteja afinado com a nova legislação.
Em Florianópolis, relógios informam até previsão de ondas
Outras capitais brasileiras contam com relógios públicos que fazem muito mais do que apenas dar as horas. Florianópolis (SC), por exemplo, conta com uma rede de equipamentos que, além de hora e temperatura, indicam previsão de altura das ondas, velocidade do vento e nível dos raios ultravioleta. Alguns aparelhos específicos contam ainda com emissão de sinal de wi-fi, e um localizado à beira-mar oferece até um calibrador para pneus de bicicleta.
A ironia é que a empresa responsável por fornecer os relógios para a capital do Estado vizinho tem sede em Porto Alegre. O chefe de operações da Sinergy, Ricardo Piccoli, revela que foi assinado um contrato de 20 anos com a prefeitura de Florianópolis, prorrogável por mais 10 anos, pelo qual foram implantados 30 relógios digitais de LED com alta definição (que fornecem informações mais amplas) e 90 estáticos (apenas hora e temperatura).
— Pagamos um valor mensal à prefeitura pela outorga do serviço mediante a exploração da publicidade. A tecnologia permite, se o município desejar, fornecer qualquer informação em tempo real pelos relógios digitais via internet — afirma Piccoli.
Em 2016, os equipamentos foram utilizados para exibir obras de arte com releituras de obras clássicas feitas pelo artista plástico Luciano Martins. Os relógios dispõem ainda de câmeras instaladas, mas atualmente, conforme a Sinergy, o recurso não está sendo utilizado para monitoramento.
O processo catarinense, porém, também não foi completamente livre de percalços. Recursos judiciais de empresas concorrentes atrasaram em quase três anos a assinatura de contrato entre a vencedora da licitação e a prefeitura de Florianópolis. Os aparelhos foram implantados em 2012. No momento, já estão sendo substituídos por novos de acordo com a manutenção programada (a vida útil dos telões de LED é de aproximadamente cinco anos).
Cronograma do atraso
2015
- Julho
Prefeitura rompe vínculo com a empresa Ativa após 16 anos de pendências judiciais, sob justificativa de que o serviço não era licitado e não gerava recurso para o município, e os relógios deixam de funcionar antes que uma concorrência aponte um novo responsável.
2016
- Janeiro
A prefeitura lança um edital para licitar não apenas os relógios de rua, mas vários itens de mobiliário urbano, como paradas de ônibus, placas com nome de rua e totens de informação. Em razão do formato do edital, que previa muito investimento e pouca exploração publicitária, nenhuma empresa se interessa em assumir o serviço.
- Maio
Um novo edital é lançado pela prefeitura com menos itens do mobiliário: oferece a exploração publicitária dos relógios exigindo a instalação de placas de rua como contrapartida. Uma outra licitação seria realizada para a manutenção dos abrigos em paradas de ônibus.
- Junho
A prefeitura decide suspender temporariamente a licitação após uma série de questionamentos e pedidos de impugnação, com previsão de relançá-la em poucos meses.
- Julho
O município volta a publicar o edital de licitação, com previsão de abertura dos envelopes dos interessados para setembro do mesmo ano.
- Agosto
Por meio de errata, a prefeitura altera os critérios de pontuação que ajudam a definir os vencedores da concorrência. O prazo de instalação, por exemplo, é um dos critérios de avaliação. A empresa que apresenta prazos menores soma mais pontos.
- Setembro
O Ministério Público de Contas entra com ação cautelar para suspender o processo alegando que deveria ter sido aberta uma nova licitação - já que o município alterou os critérios de pontuação durante o prazo para recebimento de propostas. Como resultado dos questionamentos, a licitação não é finalizada.
2017
- Dezembro
O prazo original previsto pela nova administração para lançar uma nova licitação não é cumprido. A Secretaria de Parcerias Estratégicas informa que a prefeitura decidiu fazer consulta pública e obter todos os licenciamentos necessários previamente. A ideia é divulgar o edital em março.
2018
- Março
A Secretaria de Parcerias Estratégicas conclui a avaliação de 34 sugestões sobre a instalação e localização dos novos relógios digitais, que também devem ter câmera e wi-fi. A prefeitura avalia se uma nova audiência pública será ou não realizada. O prazo para licitação acaba não sendo cumprido.
- Abril
A prefeitura decide fazer uma nova consulta pública sobre o conteúdo de todo o novo edital, quando estiver concluído, a fim de receber eventuais novas colaborações.
- Junho
A prefeitura conclui a montagem da concorrência pública, após o processo ter ficado dois meses na Central de Licitações e mais 30 dias na Procuradoria-Geral do Município.
- Outubro
Termina o prazo para a prefeitura receber sugestões sobre a instalação dos relógios de rua. Durante mais de um mês, nove empresas trouxeram cem novas contribuições. Nas semanas seguintes, o município passar a fazer os ajustes no edital. Porém, a gestão decide esperar a publicação da nova lei do mobiliário para publicar o edital, para que ele já esteja ajustado à nova legislação.
- Dezembro
A Câmara de vereadores aprova a nova lei do mobiliário, que regulamenta o uso de espaços publicitários na cidade.
2019
- Janeiro
A Secretaria de Parcerias Estratégicas aguarda a sanção da nova lei do mobiliário para colocar na rua, finalmente, o edital para os relógios de rua na Capital.