Na rodoviária de Porto Alegre, mais de 300 pertences foram esquecidos em 2018 pelos usuários. Tudo que é encontrado pelos funcionários ou entregue a eles vai para o setor de achados e perdidos. Malas e mochilas estão no topo da lista. Entre os mais curiosos, há animais domésticos, como galinhas, pássaros, gatos e cachorros.
— São animais que não podiam viajar ou estavam sem carteira de vacinação. Já aconteceu de a pessoa deixar aqui, viajar e depois de 20, 30 dias voltar dizendo que deixou o cachorro. Às vezes, os funcionários levam para casa ou encaminham para adoção. Se estão com o funcionário, a gente devolve — relata Hugonir Rodrigues, chefe operacional do condomínio da rodoviária.
Um dos animais abandonados, deixado há mais de 10 anos por uma família que não tinha o certificado de vacinas, se tornou exceção: a gata vive até hoje na rodoviária.
— A Madonna conversa, chama atenção para colocar ração e servir água. Ela é a dona, a que governa ali — conta o encarregado da manutenção, Benhur Vasconcelos.
Sessenta e oito pessoas trabalham na manutenção da rodoviária nos três turnos, sete dias por semana. O setor de achados e perdidos funciona 24 horas no recolhimento dos itens e em horário comercial para quem quer recuperar algo.
Ao chegar na sala 92, no segundo andar do complexo, o objeto é cadastrado, com nome de quem o encontrou e onde. Os pertences resgatados permanecem no depósito até 45 dias. Há casos de pessoas que acham malas em outras cidades, dentro dos ônibus, e o dono aparece muito tempo mais tarde, explica Vasconcelos:
— Já apareceu gente depois de seis meses em busca de carteira, bolsas... A gente explica que passou o prazo.
Rodrigues acrescenta que há um filtro para saber se o objeto pertence mesmo a quem o reivindica.
— A gente procura pegar todos os dados. Quando é celular, perguntamos a cor, onde perdeu, como é a capinha... Já foram esquecidos vários celulares na rodoviária, mas todos foram recuperados — relata.
Depois do prazo de 45 dias, os documentos são enviados para a agência central dos Correios. Roupas, sapatos e itens como rádios e objetos decorativos são enviados à Associação Emanuel, na zona norte da Capital, que faz brechós e reforma alguns eletrônicos para uso. A instituição atende cerca de 600 pessoas, entre internos e assistidos. E é tudo muito bem-vindo, segundo a presidente, irmã Nara Maria Ulguim:
— Os brechós ajudam a pagar água, luz, telefone, colocar combustível nos nossos carros para pegar as doações ou levar ainda nossos internos em hospitais e postos de saúde.
Até santinhos de candidato
Quando GaúchaZH esteve no setor de achados e perdidos, uma sala com cerca de 20 metros quadrados, um mini system com duas caixas de som, malas, mochilas, um carrinho de bebê, um quadro com moldura, uma muleta e até dois pacotes de santinhos de um candidato ao Senado (que não foi eleito) dividiam o espaço.
— Essa muleta chegou aqui para nós em novembro, esquecida no banheiro masculino. Só pode ser um milagre, porque alguém saiu andando sem muleta — brinca Rodrigues.
Vasconcelos questiona a "fé" do colega e lista outros objetos:
— Já encontramos óculos de grau bem alto, que quem usa não conseguiria enxergar sem. Também bengalas, cadeiras de rodas e muletas.
Mas nada chamou mais atenção da equipe do que os filhos que buscaram pelas mães.
— Eram pessoas do Interior que perderam as mães e foram no achados e perdidos. Chamou atenção porque não teria como guardar as mães ali. A gente conseguiu encontrá-las pelos altos falantes e fazer o reencontro — relata o responsável pela manutenção.
Na primeira semana de 2019, mais de 20 itens foram esquecidos, entre carteiras de motorista, cartões de ônibus, identidade, óculos, boné, livro e um travesseiro de apoio para a cabeça.
GaúchaZH percorreu o setor de embarque e questionou os usuários sobre como eles cuidam dos pertences. Mãe e filha, Deise e Gabriele da Cunha saíram de Florianópolis em direção à Capital após o Réveillon. Segundo Deise, a filha quase engrossou a lista de perdidos:
— A Gabriele levantou e já estava descendo do ônibus quando olhei pra trás. Vi que ela estava deixando o travesseiro e chamei a atenção.
A filha se defende:
— Eu cuido, posso perder tudo, menos o travesseiro, mas aconteceu.
Alexsandro Silveira da Silva já perdeu dinheiro.
— Quando tiro o dinheiro da carteira, tenho medo de perder o que fica solto no bolso. Mas não fiquei pobre nem rico, perdi pouco — afirma, sorrindo.