Buscar a bolinha é coisa de amadores para pelo menos meia dúzia de cachorros de Porto Alegre. Corridas de dois, cinco e até 10 quilômetros são, ao mesmo tempo, esporte e entretenimento para os praticantes do canicross, modalidade em que cães e seus donos correm juntos por praças e parques da cidade.
Quem dita o ritmo é o animal. Correndo à frente, ele fica conectado ao dono por uma guia de cerca de dois metros e segue no seu ritmo os comandos indicados pela voz: "direita", "esquerda", "vai" e "para" são os principais e servem para garantir a sincronia e a segurança da dupla durante os trajetos.
— É um esporte de trilha, para que o cachorro vá na frente. O grande barato é interação com o dono, já que ele aprende a direção pela entonação da voz. Melhora a confiança e ajuda a diminuir a ansiedade, tanto do dono quanto do cachorro — conta o instrutor Maurício Pinzkoski, 42 anos.
Originário da Europa, onde foi criado para treinar cães de tração, o trekking é praticado geralmente em terrenos irregulares com trilhas — como morros e parques —, com um ou dois cachorros. Um dos pioneiros no Rio Grande do Sul, Pinzkoski teve contato com o esporte em 2012, em um momento traumático. Sem ânimo para sair de casa depois da perda do pai, viu seu cachorro, incomodado com o confinamento, destruir parte dos seus móveis. Foi quando resolveu começar a correr com o mascote na Redenção.
— Vi que ele estava gostando e fui para a internet pesquisar se existia alguma atividade nesse sentido. O canicross é diferente de simplesmente correr com o cachorro, porque tem equipamento adequado, horário apropriado, hidrata o animal — lembra o jornalista, que aprendeu o esporte de forma autodidata.
Com a prática, o hobby começou a sair da esfera do amadorismo. Em 2016, ele promoveu o primeiro evento voltado ao esporte: a corrida beneficente Vai Totó, que reuniu praticantes e curiosos na Redenção. Fez um curso de adestramento e, em parceria com uma educadora física, deu início às aulas na Praça da Encol em abril do ano passado. Enquanto um foca na relação entre animal e dono, fortalecendo os comandos, o outro estabelece uma rotina de treinos para a dupla.
Sem restrições de idade ou condicionamento físico — como em qualquer esporte, é recomendável que dono e mascote consultem especialistas antes de dar início à atividade —, o canicross pode ser praticado em diferentes níveis de intensidade. Cães maiores são melhores para quem pensa em competir, mas os pequenos são bem-vindos nos treinos e práticas recreativas — reza a lenda que um yorkshire já aposentado saiu-se melhor do que um galgo em uma competição de distâncias mais longas.
As aulas duram cerca de uma hora, e consistem em reforçar comandos e circular com os cachorros em trilhas por dentro da praça — aos finais de semana, praticam nos morros da cidade. A movimentação atípica em uma das principais áreas de lazer da Capital — e uma das preferidas dos cachorreiros — não raro desperta estranhamento de quem circula com seus mascotes de forma mais convencional. Há quem demonstre preocupação com os animais e até quem xingue os donos por estarem correndo com eles. Mas também tem quem se interesse, o que faz dos treinos no espaço público porta de entrada para novos praticantes.
Busca por saúde e curiosidade motivam praticantes
Foi a curiosidade que motivou a fisioterapeuta Raquel Estery, 36 anos, a levar o cão sem raça Snoopy, oito anos, para as práticas. Em passeios com o mascote pela praça, viu no banner da Vai Totó a possibilidade de unir sua rotina de exercícios à do cachorro.
— Estava sedentária, buscando uma atividade aeróbica. Mas foi por ele também. Era muito ansioso. Agora, ele interage com outros cães, está mais tranquilo — conta a fisioterapeuta, que participa das aulas desde novembro.
Buscar hábitos mais saudáveis também era o objetivo da veterinária Maristela Amiliato, 54 anos, quando resolveu levar a sem raça Luci para o canicross. As duas estavam acima do peso quando, em meados do ano passado, foi convidada para dar uma palestra sobre a saúde do cão para o esporte e soube das aulas.
— Sei da importância da prática esportiva para eles (cães). Mas, além da questão da saúde, percebi que o vínculo ficou mais forte. Ela está mais feliz. Quando vê que estou me arrumando, já quer sair — comemora.
Agora, a dupla prepara-se para correr em sua primeira competição: a Maratona do Vinho , em Bento Gonçalves, um prova regular da qual praticantes do canicross participarão com um quarteto e dois octetos. Elas devem cumprir um trajeto de cinco quilômetros. Mais em forma do que meses atrás — Maristela estima que Luci tenha perdido cerca de dois quilos com os exercícios —, a mascote já obedece com mais facilidade aos comandos. Mas a sincronia é busca constante, e tombos acontecem — um deles no dia em que a reportagem acompanhou o grupo na Encol.
Mesmo os praticantes mais avançados não escapam a eventuais quedas. A psicóloga Ana Beatriz Rocha Alcântara, 25 anos, conta que administrar a corrida, esporte que já praticava, com os comandos à sem raça Angel já resultou em algumas escoriações. A parceria, no entanto, é sucesso incontestável: juntas, foram vice-campeãs da Copa Gaúcha de Canicross no fim do ano passado, pouco mais de um semestre depois de terem ingressado nas aulas. O semblante sereno da sem raça esconde a meta ambiciosa da dona para fevereiro, quando ambas vão correr 10 quilômetros na Maratona do Vinho. Por enquanto, só quem parece se cansar é Ana Beatriz, que ostentava o joelho esfolado de um treinamento de dias atrás, quando tropeçou durante um treino.
— Para a gente foi a melhor coisa do mundo, porque ela era muito agitada. Só que exige bastante atenção, e às vezes me distraio. Mas já me acostumei. Sem cair, não é treino — brinca.