Nos hospitais e unidades de pronto atendimento de Canoas, nesta quinta-feira (13), era mais provável ser atendido por um segurança do que por um médico.
Em meio a uma crise financeira a que se somou uma operação do Ministério Público na semana passada por suspeita de fraude em contratos, funcionários do Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) mantêm há quatro semanas os atendimentos nas unidades que eram geridas pela empresa limitados a casos graves, em que há risco significativo de evoluir para morte (protocolo laranja) ou gravíssimos, com necessidade de atendimento imediato e risco de morte (vermelho). No dia 7, a Justiça determinou que a prefeitura assumisse as unidades e, na terça-feira (11), o Executivo nomeou interventor, mantendo funcionários.
Se o cenário não aparenta gravidade, seguranças fazem as vezes de recepcionistas desencorajando pacientes, por vezes mantendo a porta entreaberta. Um exemplo é do Hospital de Pronto Socorro, localizado no bairro Mathias Velho. Ali, os vigilantes avisam a restrição ao atendimento, mas não impedem os pacientes de tentarem a sorte na triagem. Quando o caso não tem gravidade, eles recebem um prazo de atendimento irascível, que os motiva a desistir e procurar atendimento em outro lugar.
Foi o que aconteceu com o casal Everton Leal e Jessilin Freitas, que procurou o HPS para atender a menina Ana Gabrielly, que aparentava ter torcido ou quebrado o tornozelo, e não conseguia encostá-lo no chão. O prazo recebido para averiguar a suspeita de fratura era de 12 a 18 horas. O casal esperou duas horas antes de deixar a emergência.
— Não adianta procurarmos uma UPA (unidade de pronto-atendimento) porque não tem raio X nelas. Vamos desistir e procurar um atendimento particular em Cachoeirinha. É o único jeito — declara Everton.
Tudo no colo de duas UPAs
A resignação e desalento do casal é a tônica da cidade. Quem procura as unidades geridas pelo Gamp, como a UPA Caçapava, a UPA Rio Branco ou o Hospital de Pronto-Socorro, é orientado a buscar a UPA Boqueirão, no bairro Guajuviras, que atende 24 horas. Outra alternativa é a UPA Niterói, ambas administradas pelo Hospital Nossa Senhora das Graças. Mesmo centralizando o pronto atendimento pelo SUS na cidade, a UPA Boqueirão estava cheia, mas não lotada, na tarde desta quinta-feira.
— A verdade é que o pessoal já nem está vindo, porque sabe que o atendimento é demorado demais. Prefere tentar em outra cidade — conta uma funcionária que pediu para não ser identificada por não ser autorizada a dar informações.
A verdade é que o pessoal já nem está vindo, porque sabe que o atendimento é demorado demais. Prefere tentar em outra cidade
FUNCIONÁRIA DE UPA DE CANOAS
Outra dificuldade relatada é de as UPAs encaminharem pacientes aos hospitais. Margarida Correa, por exemplo, declarou ter feito um rodízio de dois dias por diferentes unidades tentando convencer os médicos de que a mãe, Neli, aparentando problemas renais, precisava ser hospitalizada para realizar exames.
— Em uma delas, percebi que ela "faria aniversário" apenas recebendo dipirona em observação até eu desistir. Assinei um protocolo para tirar ela de lá por minha conta e risco. Hoje à tarde, finalmente consegui que ela desse entrada no Gracinha (Hospital Nossa Senhora das Graças) — conta.
Embora não seja ligado ao Gamp, o Hospital Nossa Senhora das Graças também restringiu atendimentos em sua emergência pelo SUS a casos graves e gravíssimos sob a mesma justificativa de o Estado não estar repassando recursos.
Prefeito retorna de Brasília sem dinheiro
Enquanto os pacientes de Canoas perambulavam nesta quinta-feira de emergência em emergência, o prefeito de Canoas, Luiz Carlos Busato, fracassou na tentativa de obter ajuda financeira do governo federal para a saúde do município. Na expectativa de ser recebido por Michel Temer, ele teve reuniões em Brasília com os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Gilberto Occhi (Saúde).
— A saúde pública não só de Canoas, mas do Estado do Rio Grande do Sul, pode entrar em colapso — sustenta Busato, que recebe pacientes de diferentes cidades da Região Metropolitana.
Apesar de o governo federal ter negado ajuda financeira, afirmando que não há dinheiro disponível, o Planalto se comprometeu em disponibilizar duas pessoas do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e parte da equipe do Sírio-Libanês que está atuando no RS para analisar a situação de Canoas e propor um novo modelo de gestão.