Os três casos de agressões a professores em escolas municipais de Porto Alegre desde o final de outubro (ocorridos em 24 e 31 de outubro e 7 de novembro) podem não ser coincidência ou episódios isolados. É o que sinaliza um questionário proposto por GaúchaZH às 49 escolas da rede municipal (a partir do Ensino Fundamental).
Após uma semana, sob garantia de anonimato, 22 instituições responderam a uma lista de 24 perguntas relacionadas à segurança no ambiente escolar a partir de 2017. As demais optaram por não responder ou não enviaram as respostas no prazo solicitado. Metade das escolas pesquisadas classificou as condições de segurança como "ruins" e 41% como "regulares". Apenas 4,5% as consideraram "boas", o mesmo índice de "péssimas". A opção "ótimas" não recebeu votos.
Em sua grande maioria localizadas em áreas carentes e muitas vezes já conflagradas pela violência no cotidiano, as instituições municipais apontam a ausência gradativa da Guarda Municipal. Em uma mudança iniciada em 2008 e intensificada a partir de 2016, a Guarda deixou de ser presença constante nas escolas para se focar em ocorrências pontuais. A força de segurança da prefeitura passou a se dedicar mais ao policiamento ostensivo da cidade.
— Quando tem algum evento na escola, a Guarda se faz presente para ajudar. Nos demais dias, não. Até ano passado, era comum estar presente na saída do turno da noite. Neste ano, raras vezes aconteceu esse acompanhamento — declara a direção de um colégio da região central.
A atual prefeitura optou por portarias de empresas terceirizadas, implementadas a partir de outubro passado. No levantamento, 63% das escolas declararam que a segurança melhorou depois da medida recente, mas as direções afirmam que a providência não substitui a presença de agentes, pois os porteiros não têm formação para lidar com situações de violência e não têm o devido conhecimento das comunidades em que trabalham. Outros diretores apontam que a simples presença da Guarda "impõe mais respeito" do que a das portarias.
— Somos mais de mil alunos, centenas de pais e dezenas de profissionais que precisam de melhor segurança. Os porteiros controlam, com dificuldade, a saída dos alunos. Mas muito pouco podem fazer perante algum conflito entre a escola e a comunidade — avalia a direção de uma instituição da Zona Sul.
Sem guardas, professores dizem estar em risco
A substituição dos guardas pelos porteiros leva a outro efeito, segundo o levantamento. Direções informam que eventuais situações de conflito físico — em geral, entre os próprios alunos — passaram a ser resolvidas pelos próprios professores, também despreparados profissionalmente para agir nessas situações e sujeitos a riscos ao apartar brigas. Situações do tipo se multiplicam. Houve registro de agressões físicas em 82% das instituições pesquisadas.
— As agressões são mais frequentes entre alunos, e os professores acabam tendo que intervir, colocando a sua integridade física em risco. Neste ano, tivemos um professor afastado por acidente de trabalho após intervenção em uma briga entre alunas. O caso foi comunicado à Secretaria Municipal de Educação (Smed) através do laudo de acidente de trabalho padrão, sem retorno — relata a direção de colégio da Zona Leste.
Os dirigentes também relatam mais dificuldades em impedir que pessoas de fora — em geral, familiares de alunos — invadam suas dependências para resolver desavenças. Em uma instituição da Zona Sul, a solução foi impedir a entrada no pavilhão escolar para conversar com professores sem hora marcada:
— Pais entravam no colégio para bater em alunos que tinham ofendido ou agredido seus filhos em brincadeiras no intervalo. Mães contrariadas já invadiram sala de aula para bater na professora. Dois casos foram às vias de fato e muitos outros foram contidos — conta a direção.
Ameaças se acirraram com tensão política
Outro desdobramento relatado pelas instituições é que os professores estão trabalhando mais intimidados. Todas as pesquisadas relataram ameaças, que, ao lado de episódios de furto e de vandalismo, se tornaram rotina em comunidades já violentas.
— É difícil um número certo, mas percebemos que há um aumento no número de alunos que desrespeitam os professores. Alguns chegando a ameaçar, seja de forma velada, fazendo sinais de arma com a mão ou com inscrições ameaçadoras pela escola, ou de forma direta mesmo, dizendo que irá matar — conta a direção de um educandário da Zona Sul.
As direções também atribuem parte do aumento da violência à tensão política atual, que fez dos professores inimigos da vez ao atribuir a eles influência ideológica. Relatos mostram que esse discurso surgido nas redes sociais começa a se refletir em sala de aula.
— No Facebook da escola, uma mãe postou um comentário direcionado aos professores: se não pararem de falar sobre assuntos "de política", como democracia, capitalismo, socialismo, ela iria vir aqui para resolver. Nessa mesma postagem, um pai comentou: "É por isso que elas levam socos" — aponta a direção de uma instituição da Zona Norte.
Em resposta, colégios promoverão Dia da Paz
Como reação aos episódios recentes de violência, na próxima quinta-feira as instituições da rede municipal realizarão nas suas comunidades o Dia da Paz, com manifestações e atividades culturais abertas ao público. A iniciativa também é uma forma de responder ao discurso belicoso contra professores.
— Queremos demonstrar que estamos preocupados com a situação crescente de violência, mas mais ainda queremos demonstrar que nós não acreditamos nessa forma de relação. O evento é para lembrar que a escola é um espaço de diálogo, de conhecimento em construção coletiva e aberto à comunidade — declara Rosane Pereira, vice-diretora do CMET Paulo Freire, que atende jovens e adultos.
As manifestações serão postadas em redes sociais com duas hashtags #EntreSemBater e #RMEEscolasQueTransformamVidas. Por estar localizado no bairro Santana, o CMET Paulo Freire comandará as atividades do Dia da Paz no Parque da Redenção, das 9h30min às 11h30min. Escolas da rede estadual da região também serão convidadas. Estão previstas esquetes teatrais, musicais, batalhas de slam e trocas de livros.
— Esperamos que seja uma expressão muito bonita do que é a escola. Um espaço de paz, não de violência e agressividade. E o professor é seu elemento fundamental — aponta Rosane.
O que mostra o levantamento:
GaúchaZH convidou diretores de 49 escolas da rede municipal (todas, a partir do Ensino Fundamental) a responder anonimamente a um questionário sobre as condições de segurança no ambiente escolar. Dessas, 22 responderam. Veja os principais apontamentos:
Sobre as condições de segurança:
- 50% das escolas consideram ruins
- 41% das escolas consideram regulares
- 4,5% das escolas consideram boas
- 4,5% das escolas consideram péssimas
Guarda Municipal
95% das escolas relatam diminuição da presença da Guarda Municipal desde 2017. E 91% dizem que as condições de segurança da escola pioraram depois que isso aconteceu. Em uma lista de medidas urgentes para melhorar a segurança, os mesmos 91% assinalaram "Presença da Guarda Municipal".
Câmeras de vigilância
Todas as escolas citaram ter câmeras, mas algumas relatam ter sido avisadas pela Secretaria Municipal de Educação que a maior parte delas será desligada até o final do ano, ficando com duas por escola. A Smed argumenta que as duas câmeras serão as monitoradas pelo Centro Integrado de Comando da Cidade de Porto Alegre (Ceic), as demais poderão continuar como circuito interno das escolas se assim desejarem.
Portarias terceirizadas
63% das escolas apontaram que a segurança melhorou depois das portarias, e 31% que não foram afetadas. O sistema foi implementado desde outubro em toda a rede.
Ameaças
100% das escolas informaram casos de ameaça, e 82% declararam que já comunicaram pelo menos alguns casos à Smed. Há reclamações por respostas mais efetivas da Smed, mas há relatos de professores ou o alunos que já foram transferidos de escola em casos mais graves.
Agressões
82% das escolas relataram casos de agressão, a maioria entre alunos ou de familiares em alunos (da sua própria família ou não). Chama a atenção a subnotificação nesses casos: 31% disseram não ter comunicado os casos à Smed, preferindo resolver os casos no ambiente escolar.
Furto ou roubo e vandalismo
91% das escolas relataram casos de furto ou roubo e de vandalismo. Entre os casos de roubo e furto, 38% não foram comunicados à Smed. Entre os de vandalismo, 62%. A justificativa da subnotificação é que os casos viraram corriqueiros, especialmente furto de celulares.
Prevenção e combate à violência
77% das escolas relatam ter projetos pedagógicos relacionados à prevenção e combate à violência. Segundo os diretores, o ambiente seria ainda pior se eles não existissem.
Providências urgentes
Questionados sobre as medidas que seriam mais eficientes no combate à violência, os itens mais citados foram presença da Guarda Municipal (91%), mais opções de projetos extracurriculares (77%), reposição do corpo docente (72%) e projetos de prevenção e combate à violência (72%).