Um golpe que lesa pessoas pobres, sem moradia e, em alguns casos, até analfabetas, está sendo desbaratado nesta quarta-feira (19) pela Polícia Civil na Operação Pau Oco. O foco da investigação são desvios na concessão de benefícios pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab) a famílias cadastradas no plano de mobilidade urbana para a Copa 2014, na região da Avenida Tronco, na Vila Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre.
As suspeitas são de que servidores e ex-funcionários do Demhab e moradores da região integrem uma rede que frauda a destinação de Bônus-Moradia e Aluguel Social, desde 2013. Estes são benefícios concedidos a famílias que precisam deixar suas casas e serem reassentadas por conta de obras públicas.
Pessoas sem direito aos benefícios estariam recebendo moradias, enquanto quem realmente faz jus ao recurso não recebe. Uma das situações apuradas é a de uma mulher, analfabeta, que deu uma procuração a suspeitos e, depois, descobriu que havia uma casa em nome dela em Viamão, como se ela tivesse sido beneficiada. Ela, no entanto, paga aluguel. A polícia também verifica a informação de que chegou a constar em nome dela o benefício de nove bônus-moradia, o que daria em torno de R$ 700 mil.
A procuração foi outorgada pela mulher para um familiar de um líder comunitário que está entre os investigados. Os suspeitos também teriam adquirido imóveis usando valores dos benefícios e, depois, repassado as casas a pessoas que não se enquadram nos critérios para recebê-las. Outra suspeita é de que tenha ocorrido, em alguns casos, a "compra" do benefício. Ou seja, uma pessoa que tinha direito ao bônus-moradia no valor de R$ 78,5 mil (em 2013, quando começou a ser pago, era de R$ 52 mil), cansada de esperar pelos trâmites ou estimulada pelos fraudadores, acabava abrindo mão da íntegra do bônus por um valor menor.
A rede criminosa contaria com auxílio de funcionários do Demhab, que dispõem de informações privilegiadas sobre beneficiários, e também de corretores de imóveis, que atuariam intermediando os negócios direcionados.
O trabalho é da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária (Deat), que apura crimes de peculato-apropriação, peculato-desvio e prevaricação, entre outros. Estão sendo cumpridos sete mandados de busca e apreensão em Porto Alegre, Gravataí e Capão da Canoa, em casas de suspeitos. Um homem investigado, que já recebeu benefício e é suspeito de ter adquirido imóveis para locar, seria dono de uma cobertura no Litoral Norte. Há buscas no local.
A polícia começou a receber denúncias sobre as irregularidades depois de deflagrar, em fevereiro, a Operação Casa Nostra, que também envolvia o Demhab. Além disso, a ouvidoria da Defensoria Pública também recebeu registros e passou informações para apuração da polícia.
Atualmente, conforme a prefeitura, de 1,5 mil famílias que tiveram imóveis atingidos pelo trajeto da obra, apenas 195 ainda não receberam a indenização a fim de adquirir um novo imóvel. E a falta de solução nestes assentamentos tem trancado o andamento das obras, que estavam paradas desde 2016 e foram retomadas em junho.
Conforme o delegado Max Otto Ritter, o objetivo da ação é coletar documentos que possam comprovar detalhes da fraude. A polícia tem informações de que pelo menos um ex-gestor do Demhab seguiria tendo influência junto aos negócios articulados a partir do escritório do Demhab que funciona na Vila Cruzeiro do Sul. Ele é investigado por suposto envolvimento na fraude.
O que diz a prefeitura
A administração municipal se manifestou por nota. Confira:
- A situação referida pela Polícia Civil foi denunciada pela direção do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) ao Ministério Público Estadual, em julho de 2017, e, posteriormente, à Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Administração Pública e Ordem Tributária (Deat/Deic). O Demhab procurou as autoridades por entender que as várias denúncias de irregularidades recebidas e verificadas extrapolavam a esfera administrativa e poderiam se enquadrar na esfera criminal.
- As denúncias entregues pelo Demhab aos órgãos geraram a Operação Casa Nostra, desencadeada em fevereiro de 2018, e que apura irregularidades, constadas pela prefeitura, na quitação de financiamentos imobiliários, concessão de aluguel social e venda de indicações para o recebimento de moradias do Minha Casa, Minha vida. Todas as ilegalidades apontadas pelo Demhab às autoridades são anteriores a 2017.
- Sobre a concessão do bônus-moradia, ao verificar indícios de irregularidades, além de informar as autoridades policiais, o Demhab mudou os procedimentos. Os primeiros cinco beneficiados, dentro dos novos e rigorosos processos, aguardam o crédito para aquisição dos seus imóveis. Os pagamentos investigados pela polícia são anteriores à atual gestão.
- A prefeitura reitera que todas as denúncias feitas pelo Demhab resultaram em mudanças na concessão de benefícios por parte do departamento, além do afastamento de servidores com indícios de envolvimento em fraudes. O pagamento do aluguel social foi objeto de uma profunda auditoria interna. Foram constatadas irregularidades no pagamento a cerca de 500 beneficiários. Eram pagos 1,3 mil benefícios, que caíram para 800 após o pente-fino.
- A prefeitura ratifica que está à disposição das autoridades para auxiliar nas investigações e reitera que continuará repassando aos órgãos policiais as denúncias recebidas, com o objetivo de que todas as situações sejam esclarecidas e os eventuais responsáveis punidos.
- Com relação à continuidade das obras na avenida Tronco, a prefeitura destaca que não serão paralisadas, pelo contrário, seguirão o cronograma estabelecido. Os procedimentos atuais, corretos e transparentes, não pode ser prejudicados pelos problemas do passado apontados por esta gestão.
Entenda o Bônus-Moradia
O que é o bônus-moradia?
O Bônus-moradia é uma das opções de atendimento (Bônus Moradia ou Reassentamento ou Indenização) que a prefeitura de Porto Alegre oferece às famílias cadastradas pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab) na aquisição da casa própria com mais rapidez para as comunidades que precisavam ser reassentadas em função das obras de mobilidade urbana da Copa de 2014.
Existe algum custo por parte dos interessados na utilização dessa modalidade?
Não. O Bônus-moradia é pago totalmente pela prefeitura. A prefeitura custeia os gastos com a aquisição dos imóveis, ou seja, além das despesas com a compra das novas habitações, arca também com o pagamento das despesas de impostos de transmissão, custas com escrituras e registros no Cartório de Registro de Imóveis.
Quem opta pelo bônus-moradia?
Essa opção é livre, pessoal e exclusiva para as famílias cadastradas no plano de mobilidade urbana para a Copa 2014.
Qual o valor do bônus-moradia e qual o critério adotado para se chegar a esse valor?
O valor do Bônus-Moradia é de R$ 78,5, que representa o custo final para a construção de uma unidade habitacional popular, considerada no Programa Minha Casa/Minha Vida, do governo federal. Cada família cadastrada tem direito a um Bônus-Moradia, se essa modalidade lhe convier. A utilização do Bônus-Moradia é regida pela Lei Municipal 11.229, de 6 de março de 2012.
O imóvel adquirido poderá ser vendido a terceiros imediatamente após a aquisição?
Não. O imóvel adquirido só poderá ser vendido a terceiros após cinco anos de escrituração. A família cadastrada que for reassentada não poderá mais ser favorecida em outros planos de reassentamento da prefeitura, conforme previsto na Lei Geral do Bônus (art.8º - § 1º).
Existe a possibilidade de utilização de mais de um bônus-moradia Na aquisição de um mesmo imóvel?
Sim. Até o limite de dois bônus para um mesmo imóvel. Nesse caso, o imóvel adquirido é escriturado no nome das duas pessoas cadastradas no Demhab, com titularidade de 50% para cada uma.
Existe a possibilidade da aquisição de um imóvel com preço superior ao oferecido pelo bônus-moradia?
Sim. Desde que o interessado complemente o valor do imóvel diretamente com o proprietário/vendedor. Se o interessado tiver que financiar essa diferença, uma das condições exigidas é que o próprio imóvel não poderá ser dado como garantia ao financiamento.
No caso de o imóvel a ser adquirido ter custo inferior ao disponível no bônus-moradia, haverá devolução da diferença?
Não. O pagamento que a prefeitura faz ao proprietário/vendedor do imóvel será aquele constante na avaliação desse imóvel. Se o valor acordado for inferior aos R$ 78,5 previstos no Bônus-Moradia, essa diferença não será disponibilizada.
Para denúncias
Vítimas podem procurar a Polícia Civil:
Disque-denúncia: 0800-510-2828
Whatsapp e Telegram : 51-98418-7814
Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública e Ordem Tributária: Avenida João Pessoa, 2050, sala 240