Lourdes de Jesus Santos, 42 anos, analfabeta, mãe de seis filhos — sendo dois diagnosticados com doenças mentais —, avó de três netos e dependente de benefício do INSS por invalidez, é uma das pessoas que diz ter sido enganada em um esquema de desvio de bônus-moradia investigado pela Polícia Civil.
Ela alega ter sido enganada por um líder comunitário da Vila Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre, que está entre os investigados da Operação Pau Oco, deflagrada na manhã desta quarta-feira (19). A polícia não revelou os nomes dos investigados. O líder teria livre trânsito junto ao escritório do Demhab instalado na vila.
Como tem filhos doentes, quando precisou ser removida de casa por causa das obras da Avenida Tronco, que integram o conjunto de intervenções previstas para a Copa de 2014, Lourdes passou a procurar opção perto do posto de saúde da Vila Cruzeiro. Segundo ela, esse líder comunitário propôs um negócio: ela repassava os dois bônus-moradia a que tinha direito junto com o companheiro e ele lhe conseguia a casa na região. Uma espécie de "permuta", segundo lhe falaram.
Analfabeta, Lourdes outorgou procuração para uma familiar desse homem para que cuidasse dos interesses dela. Essa mulher cedeu a Lourdes uma casa na Vila Cruzeiro, em troca dos bônus-moradia. Instalada, poucos meses depois, Lourdes foi avisada de que a permuta "dera errado" e foi obrigada a sair do imóvel. Teve de alugar uma casa. Desesperada com a situação, descobriu que a pessoa que lhe cedera a casa havia adquirido em Viamão um imóvel a partir de seu bônus-moradia.
Começou então a luta para reaver para si aquele imóvel. Lourdes entrou na Justiça para retomar a casa e provar que foi enganada, já que na suposta "permuta" ficou sem nenhum imóvel.
— Me fizeram assinar um monte de papéis. Não sei ler. Não deixavam meus filhos (que poderiam ler) chegar perto . Esperaram eu me instalar e, depois de usarem meu bônus, me tiraram da casa — diz Lourdes.
Até o mês passado, ela recebia do INSS R$ 950 de aposentadoria por invalidez e, depois da revisão feita pelo governo federal, teria perdido o benefício:
— Fiz perícia, sofro de depressão com todos esses problemas. Vou recorrer, mas agora não tenho como pagar os R$ 1,1 mil de aluguel.
A solução recente teria vindo pelas mãos do Demhab, também intermediada pelo líder comunitário e um ex-funcionário do departamento, segundo Lourdes:
— Me ofereceram esse terreno todo aí na frente (da casa alugada) para ver se eu retirava as queixas. Eu não vou retirar. Então, de boca, disseram que eu podia construir um barraco em cima para ficar por enquanto.
Lourdes guarda consigo uma série de documentos de pedidos de providências junto ao departamento, datados desde 2012. Ela chegou a declarar à polícia que tinha em seu nome nove bônus-moradia. A polícia apura. Além disso, ela e o companheiro já registraram ocorrências policiais por ameaça. Estariam sendo ameaçados por pessoas ligadas ao esquema.
GaúchaZH pediu ao Demhab informações sobre a situação de Lourdes junto ao cadastro do órgão, se havia mesmo nove bônus ou outras irregularidades e se um terreno foi recentemente cedido a ela, mas não obteve retorno.