A Defensoria Pública do Estado (DPE/RS), a Defensoria Pública da União (DPU) e a ONG Thêmis — Gênero, Justiça e Direitos Humanos ajuizaram, no dia 12 de setembro, uma ação civil pública pedindo a suspensão do acordo que prevê a colocação de DIU hormonal em adolescentes abrigadas de Porto Alegre. Iniciativa do Ministério Público, a liberação da implantação foi acordada entre prefeitura, Hospital de Clínicas, Hospital Materno-Infantil Presidente Vargas e Bayer S/A no começo de junho e gerou polêmica ao ser questionada por entidades da área da saúde.
O documento que pede a suspensão imediata do termo de cooperação assinado em junho levanta uma série de problemas relacionados à parceria, como a falta de previsão de acompanhamento ginecológico das meninas que se submeterem ao procedimento e a não observância da situação de vulnerabilidade das adolescentes. Além disso, o texto considera que o acordo é inconstitucional, uma vez que estaria implantando uma "política pública paralela" sem ouvir a sociedade — o Conselho Municipal de Saúde não foi consultado sobre a iniciativa.
— O termo dá prevalência para o interesse da indústria farmacêutica. Diz que as meninas podem retirar (o DIU hormonal) no SUS, mas esse método não é incorporado pelo sistema, e não é em qualquer posto que existe um médico que vai retirar quando elas quiserem. O problema (da gravidez precoce) existe, mas apresentar uma solução simplista pode acarretar uma gama enorme de violação de direitos — argumentou o defensor público estadual Rodolfo Lorea Malhão.
Em 2016, uma comissão do SUS que avalia a inclusão de novos medicamentos no sistema de saúde rejeitou a medicação hoje ofertada às adolescentes em Porto Alegre. O grupo entendeu que o implante não tinha comprovada "superioridade em relação ao DIU com cobre, já disponibilizado no SUS". Uma carta assinada por oito instituições à época do acordo questionou a opção do MP por um método cuja utilização na saúde pública não é consenso, e quais seriam os interesses da empresa na doação dos implantes.
A ação civil pública destaca a incapacidade das adolescentes menores de 16 anos em compreender "os riscos e consequências do método contraceptivo". O documento aponta que, das 19 inscritas para o procedimento — de um total de mais de 60 dispositivos a serem fornecidos pela Bayer —, 10 são menores de 16 anos. Duas delas seriam menores de 14 anos. Uma das meninas, de 15 anos, teria assinado o termo de consentimento durante uma internação psiquiátrica.
O documento também questiona a omissão estatal em relação às abrigadas, uma vez que a medida "trata os indivíduos sob tutela do estado como objetos de intervenção estatal e não como sujeitos de direitos". Os autores da ação consideram que "ao preocupar-se exclusivamente com a não gravidez, descuida-se da promoção de sua saúde desde uma perspectiva de ampla educação sexual e reprodutiva".
— Hoje não se admite tratar política reprodutiva e sexual sem a dupla proteção: os caso de gestação na adolescência diminuíram, mas os casos de HIV aumentaram nessa faixa etária. (Com o acordo), o estado se desonera da responsabilidade de empoderar a menina sobre sua vida sexual e reprodutiva. Não somos contra (os métodos contraceptivos), mas tem de ser individualizados e consentidos pelo SUS — diz Malhão.
A parceria entre o MP, a prefeitura, os dois hospitais e a Bayer prevê que as meninas interessadas em utilizar o método contraceptivo de longa duração SIU-LNG (Sistema Intra-Uterino), depois de passar por exames e devidamente autorizadas, tenham acesso a ele. A empresa dispôs-se a doar, no mínimo, 60 dispositivos e treinar funcionários dos dois hospitais para realizar o implante, que libera um hormônio que impede a fecundação e tem duração de cinco anos.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde disse que "as adolescentes, da menarca aos 20 anos de idade, estão sendo aconselhadas e orientadas quanto aos métodos anticoncepcionais disponíveis, padronizados ou não pelo SUS", e que "tem certeza de que, por meio deste Termo de Cooperação, serão ampliadas as opções contraceptivas disponibilizadas às adolescentes em situação de vulnerabilidade que buscam anticoncepção, permitindo que elas optem pelo método que lhes parecer mais adequado, sempre acompanhadas por equipes multidisciplinares responsáveis e comprometidas com a proteção da saúde e busca da autonomia das adolescentes". Segundo a pasta, há 25 meninas interessadas, mas o contraceptivo ainda não foi aplicado em nenhuma. A secretaria diz, ainda, que desconhece termos assinados por menores de 14 anos, pois não recebeu nenhuma ainda para avaliação nos hospitais.
O Ministério Público reenviou uma nota do dia 9 de agosto , onde diz que "o Termo de Cooperação oportunizará às adolescentes interessadas a escolha livre e informada, respeitados critérios clínicos, e o acesso a um método contraceptivo seguro e eficaz, que, por seu alto custo, ainda tem o seu fornecimento restrito pela rede pública de saúde, concretizando o direito à saúde e ao planejamento familiar das adolescentes do acolhimento institucional de Porto Alegre e consagrando os princípios da primazia de atendimento e da proteção integral". O órgão diz, ainda que tem como "missão constitucional" defender "os interesses sociais e individuais indisponíveis", "jamais almejando substituir os órgãos competentes para deliberação e gestão acerca das políticas públicas".