Uma inciativa do Ministério Público (MP) para ajudar a prevenir casos de gravidez entre adolescentes acolhidas em abrigos de Porto Alegre tornou-se alvo de questionamento de entidades ligadas à área da saúde nas últimas semanas. Desde o dia 6 de junho, uma parceria entre o MP, a Secretaria Municipal de Saúde, o Hospital de Clínicas, o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas e a empresa Bayer S/A prevê que os dois hospitais possam implantar nas abrigadas um método contraceptivo rejeitado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O acordo, com validade de dois anos, foi firmado sem que tenha sido consultado o Conselho Municipal de Saúde (CMS), que reúne mais de 80 entidades e é responsável por apreciar políticas públicas para a área.
— O Conselho de Saúde é o órgão permanente e deliberativo por onde devem passar todos os projetos a serem desenvolvidos na saúde em Porto Alegre. Esse método não foi aprovado pela comissão do SUS que delibera sobre esse assunto. Por que Porto Alegre vai utilizá-lo? Em nenhum momento fomos avisados ou chamados para submeter isso à análise do conselho — questiona a coordenadora do CMS, Maria Letícia de Oliveira Garcia, que disse que a entidade irá pedir uma audiência com o MP para falar sobre o assunto.
A ideia partiu da promotora de Justiça da Infância e da Juventude Cinara Vianna Dutra Braga. Procurada por uma entidade que relatou aumento dos casos de gravidez entre as adolescentes em situação de vulnerabilidade social, ela resolveu intervir, buscando ampliar a gama de possibilidades de contracepção ofertada às abrigadas. Para isso, foi atrás da gigante de medicamentos Bayer S/A, que produz um tipo de Dispositivo Intra Uterino (DIU) que não é ofertado pelo SUS, e relatou o problema. A empresa dispôs-se a doar, no mínimo, 60 dispositivos e treinar funcionários dos dois hospitais para realizar o implante, que libera um hormônio que impede a fecundação e tem duração de cinco anos.
A alternativa foi apresentada à Secretaria Municipal de Saúde que, no começo de junho, assinou um termo de cooperação com o MP, os dois hospitais e a empresa para que as meninas que manifestassem interesse em utilizar o método, depois de passar por exames e devidamente autorizadas, tivessem acesso a ele. Segundo o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, 19 adolescentes estão inscritas para a colocação do DIU medicado e devem passar por exames para avaliar se o método se adequa às suas necessidades.
Para entidades relacionadas à área da saúde, porém, a questão não é tão simples. Em 2016, uma comissão do SUS que avalia a inclusão de novos medicamentos no sistema de saúde rejeitou a medicação hoje ofertada às adolescentes em Porto Alegre. O grupo entendeu que o implante não tinha comprovada "superioridade em relação ao DIU com cobre, já disponibilizado no SUS". Em uma carta assinada por oito instituições, além de questionar a opção do MP por um método cuja utilização na saúde pública não é consenso, e quais seriam os interesses da empresa na doação dos implantes, o Conselho Municipal de Saúde atenta para o fato de o assunto não ter sido debatido nem passado pela apreciação do órgão, que soube do acordo através de denúncia.
— Escolhi a Bayer por que é a única empresa brasileira que produz esse tipo de contraceptivo, o DIU com hormônio. O MP tem atribuição constitucional para efetivar as políticas públicas que foram debatidas pelo conselho. Tão somente buscou que essa política dê acesso a todos os meios contraceptivos e reuniu quem precisava reunir para efetivar essa política — disse a promotora de Justiça da Infância e da Juventude.
Conforme Cinara, não foram realizadas reuniões para discutir o assunto porque a política de atendimento às abrigadas já prevê o acesso a métodos contraceptivos. No entendimento do município, a questão também está resolvida. A diretora do Hospital Presidente Vargas, Adriani Galão, diz que o método é amplamente "difundido, adequado e seguro para evitar uma gestação", e não apresenta risco às adolescentes.
— É um projeto bastante bonito, porque a gente tem muita preocupação com a gestação na adolescência. E essa é uma oportunidade de oferecer métodos que são utilizados na rede privada a meninas que estão em situação de extrema vulnerabilidade — defende a gestora.
Conforme a diretora do Presidente Vargas, as adolescentes que desejarem retirar o dispositivo medicado antes do período de cinco anos poderão fazer isso a qualquer momento em um posto de saúde — Adriani garante que as informações sobre as pacientes serão mantidas em sigilo. O documento firmado entre a empresa, o município, os hospitais e o MP não prevê de repasse de verba para nenhuma das partes. O texto destaca, ainda, que a Bayer S/A não terá acesso ao prontuário das adolescentes nem a seus dados pessoais.