Sentada na sala de estar do residencial geriátrico na Zona Sul de Porto Alegre, onde vive, Lorena Lima Carvalho parecia alheia à movimentação da família e dos funcionários que organizavam os doces e salgados em homenagem a ela, na tarde deste domingo (27). Para completar o cenário, três balões amarelos com os números 1, 0 e 0 foram colados na parede especialmente para celebrar o centenário de Lorena.
Preparada pelos filhos Ara Marial Carvalho, 66 anos, e Neo Carvalho, 75 anos, a comemoração contou com a presença de outros idosos moradores da casa. Além dos dois filhos (um terceiro é falecido), Lorena tem cinco netos, cinco bisnetos e um tataraneto. Apesar das dificuldades para caminhar sozinha e do esquecimento de eventos recentes – sintomas do Alzheimer, diagnosticado há quase dois anos –, a tataravó brincava com todos que se aproximavam.
— Demoro para sorrir — confessou baixinho, depois de mais de dez pedidos de fotos ao lado dela.
Mas é nos poucos momentos de total lucidez que Lorena surpreende quem se aproxima. Lentamente, começa a recordar com exatidão os 40 anos em que a família dela morou nas dependências do Theatro São Pedro, no Centro da Capital, que completará 160 anos no próximo mês.
Filha de Alcebíades Lima, um dos primeiros zeladores do Theatro, ela lembra da época vivida com os pais e as quatro irmãs nos porões da casa de espetáculos. Era o começo do século passado e a família ainda podia plantar e criar patos, galinhas, marrecas e uma vaca de leite no pátio do casarão.
— A gente plantava abóbora e milho. Tivemos um terneirinho também. Tempo bom — comentou para a nora Silvina Carvalho.
Recordação
Em maio de 2010, a reportagem do Diário Gaúcho convidou Lorena para visitar a antiga casa da família. Durante um dia, conduzida por Silvina, ela chorou ao rever fotos antigas expostas na parede do teatro e ao relembrar os tempos de criança, quando se perdia nos labirintos e corria pelas escadarias. No passeio, fez questão de tatear cada parede, examinar janelas e portas e buscar vestígios do passado.
— Nossa casa era lá embaixo, enorme. Tinha um túnel também, por onde fugiam os políticos, mas hoje não sei se existe. Não podíamos subir lá em cima — confessou à reportagem, na época da também última visita que fez ao São Pedro.
Lorena tinha três meses de vida, em 1918, quando o pai conquistou o serviço de zeladoria e decidiu se mudar com toda a família para o subsolo do casarão. Proibida de sair do subsolo durante os espetáculos, Lorena sempre dava um jeito de ver por um dos cantos as companhias de operetas europeias, as orquestras sinfônicas e os artistas que se apresentavam no palco. De lá, a jovem só saiu para casar, aos 22 anos. O restante da família permaneceu vivendo no local por quatro décadas.