Multas ambientais ocasionaram a inclusão de 994 autos de infração na lista de inscritos em dívida ativa junto à prefeitura de Porto Alegre. O valor devido ao município é de R$ 89.418.785,39, o que equivale a 50% do total de uma folha de pagamento do funcionalismo.
As duas empresas que mais acumulam débito por multa ambiental são do ramo da telefonia: a Telet S.A. (Claro) soma mais de R$ 35,1 milhões inscritos em dívida ativa, originados em 77 autos de infração, enquanto a Nextel Telecomunicações Ltda contabiliza R$ 4,6 milhões em aberto, oriundos de 16 multas. Secretário do Meio Ambiente e Sustentabilidade (Smams), Maurício Fernandes explica a situação das operadoras em Porto Alegre:
— A legislação da telefonia era muito rígida, essas multas são antigas. Isso é um passivo que tem mais de 10 anos. Em 2014, a lei foi reformulada e a realidade atual é muito diferente. Hoje a telefonia não é algo que nos causa preocupação, está sob controle e a norma está sendo cumprida.
Pelo sistema da Lei de Acesso à Informação (LAI), a reportagem questionou os motivos que levaram à aplicação das sanções, mas o município informou que os detalhes não estão disponíveis.
"O método de lançamento de dados utilizados no sistema da prefeitura não permite especificar o tipo de infração, o que demandaria análise processo a processo para especificar qual infração ambiental gerou a multa que culminou em inscrição em dívida ativa. Contudo, informamos que as infrações mais comuns referem-se à poluição visual, remoção, desmatamento, poda, atividades sem licença ambiental, resíduos da construção civil, entre outros", diz trecho da resposta do Serviço de Informação ao Cidadão.
Prefeitura quer rever leis para publicidade visual
Entre os cinco maiores inscritos em dívida ativa por multa ambiental, o terceiro e o quarto colocados — JCDecaux Mídia Brasil e RSBC Rede Sulbrasileira de Comunicação Visual — são do setor de publicidade visual urbana, que envolve a instalação de placas, outdoors e assemelhados na Capital gaúcha. Se o setor da telefonia não preocupa mais o município, o tom do discurso muda quando se trata de propaganda.
— Porto Alegre sofre de excesso de comunicação visual e descumprimento das regras de uso do espaço público. Isso traz um ambiente sujo, que causa degradação da qualidade ambiental. Estamos fazendo uma revisão na legislação para enfrentar esse tema — anuncia o secretário Fernandes, ocupado atualmente na redação de um projeto de lei que será enviado à Câmara propondo restrições à comunicação visual.
A quinta posição é do Instituto Educacional Lemos e Souza. É um caso, entre outros, de empreendimentos pequenos e médios com altas somas de multa. Uma das explicações para isso, diz Fernandes, é a reincidência.
— As empresas são notificadas para corrigir a sua conduta, mas há situações em que isso não é feito. Aí contabiliza multa diária. O objetivo não é arrecadar. A legislação ambiental é rígida, mas ela dá muitas chances para quem quer cumprir a lei. Mas, se a pessoa quer desafiar a lei, ela sofre os rigores cabíveis — afirma o secretário.
Maior parte das multas está em execução fiscal
As informações e os valores em aberto, atualizados até 30 de novembro de 2017, foram obtidas por GaúchaZH pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Dos 994 inscritos em dívida ativa, a maioria se encontra em execução fiscal, casos em que o poder público abriu processos judiciais para fazer a cobrança, inclusive contra as operadoras de telefonia.
Entre as penalizadas, um dos argumentos apresentados é de que autos de infração foram emitidos pela prefeitura em desacordo com a lei. Elas também afirmam que multas são originadas a partir de indeferimentos supostamente ilegais de licenças ambientais. Há casos de empresas que abriram ações judiciais contra o município para contestar as sanções.
As multas por infrações ambientais estão previstas em leis federais e municipais, com previsão de valores mínimos e máximos por tipo de infração. A mensuração da pena pecuniária é definida por uma comissão integrada pela Smams e pela Procuradoria-Geral do Município (PGM). Se discordar, o autuado pode recorrer ao titular da Smams. Os recursos arrecadados ingressam no fundo do meio ambiente, aplicados posteriormente em manutenção de parques e praças. O dinheiro também pode custear investimentos nas atividades de licenciamento e projetos ambientais.
— A legislação possibilita que o infrator faça um acordo com a prefeitura, inclusive com a redução do valor da multa. Vamos lançar em breve essa possibilidade para quem quiser reparar o dano. Vamos criar um ambiente favorável para fazermos acordos — avisa Fernandes.
Ranking
Quem são os cinco inscritos com maior valor
1º) Telet S.A. (Claro) — 77 multas — R$ 35.150.763,81
2º) Nextel Telecomunicações Ltda — 16 multas — R$ 4.649.989,42
3º) JCDecaux Mídia Brasil Ltda — 5 multas —R$ 3.789.613,88
4º) RSBC Rede Sulbrasileira de Comunicação Visual S.A. — 31 multas — R$ 3.028.807,73
5º) Instituto Educacional Lemos e Souza — 1 multa —R$ 2.516.800,80
Contrapontos
O que dizem as cinco maiores inscritas
Claro (Telet)
"A Claro informa que cumpre a legislação vigente e reitera o seu respeito e compromisso com o consumidor".
Nextel
"Como os trâmites judiciais em questão ainda estão em andamento, a Nextel não se posicionará a respeito".
JCDecaux
"O Grupo JCDecaux adquiriu, em 1º de abril de 2016, 3 (três) empresas que exploravam a veiculação de publicidade em grandes formatos (outdoor). Dentre elas, uma empresa em Porto Alegre que apareceu na pesquisa do Jornal Zero Hora (atual JCDecaux Midia Brasil Ltda., anteriormente denominada Outfront Midia Brasil Ltda.).
Assim sendo, a JCDecaux esclarece que a dívida é anterior à aquisição e que, desde que passou a controlar a empresa, todas as medidas legais cabíveis foram tomadas, sendo que atualmente tramitam processos judiciais que visam discuti-la."
RSBC Rede Sulbrasileira de Comunicação Visual S.A., em nota assinada pelo advogado Marcelo Leal Markusons
"Primeiro, é de se observar que as multas inscritas em dívida ativa precisam ser frutos de processos legítimos, resguardadas as questões de legalidade e ampla defesa. Para as multas atribuídas a empresa RSBC é de se observar que cada suposta infração decorre de falta de licença, cuja multa aplicada incide de forma simples e diária. Entretanto, cada processo de dívida ativa desconsidera que as licenças ambientais foram solicitadas e que os indeferimentos sucessivos, por parte da Prefeitura, se deram de forma ilegal, o que acabou por ensejar inúmeras ações nas quais a Prefeitura é RÉ. Não bastasse a falta de motivação para as multas, pois as licenças sempre foram solicitadas, mas acabaram por ser judicializadas, a peça jurídica fundamental para a penalização (O AUTO DE INFRAÇÃO) descumpre a lei.
A Secretaria Ambiental do Município, como órgão ambiental local, integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente e deve se pautar por quesitos legais Federais, Estaduais e Locais. Todavia, o Código Estadual do Meio Ambiente foi desatendido, vez que cada auto de infração deixa de enumerar os artigos de Lei que autorizam imposição das penas. Ademais, os campos dos documentos de autuação, destinados aos valores das multas, foram deixados sem preenchimento, demonstrando o desleixo da Prefeitura até mesmo para preencher documentos padronizados. Os pareceres administrativos (sejam técnicos ou jurídicos) dos processos que se debatem desconsideram as questões que se comenta, do que se conclui que o mesmo rigor para a penalização e cobrança de altos valores não tem seu correspondente justo quando se trata de avaliar as licenças dentro das leis e desenvolver procedimentos aptos a penalizar, quando for o caso, conforme as leis. Todas estas questões estão sendo debatidas em Juízo, nas ações correspondentes e a Empresa, confiante na Justiça e sem qualquer interesse em desatender as Leis, aguarda provar que nada deve ao Município e que suas licenças foram indevidamente negadas".
Instituto Educacional Lemos e Souza
O instituto não foi encontrado pela reportagem. No endereço onde ficava antigamente, outra escola de profissionalização está em funcionamento. Uma funcionária da atual organização diz que se passaram ao menos cinco anos desde a troca e que, até hoje, ainda chegam correspondências em nome do Instituto Educacional Lemos e Souza.