Enquanto a prefeitura de Porto Alegre ajusta os últimos detalhes do cadastro de inadimplentes que será publicado em uma plataforma digital, a lista dos inscritos em dívida ativa mostra que os cem principais devedores de IPTU e ISSQN deixaram de recolher R$ 498,3 milhões aos cofres da Capital – valor que poderia quitar a folha de pagamento de 2,8 meses do Executivo municipal e que seria 4,1 vezes mais do que os R$ 120 milhões necessários para finalizar as obras da Copa.
Os dados públicos, atualizados pelo município até 30 de novembro, foram obtidos por GaúchaZH pela Lei de Acesso à Informação junto à Secretaria Municipal da Fazenda (SMF). Entre os inscritos em dívida ativa de ISSQN, aplicado sobre a prestação de serviços, é majoritária a quantidade de bancos, auditorias privadas, assessorias tributárias e de cobrança ou empresas do mercado financeiro: elas somam 19 dos 50 listados. Somente a PricewaterhouseCoopers (PwC) e o Citibank Leasing, que estão entre os cinco primeiros da lista, somam R$ 30,6 milhões em débitos inscritos em dívida ativa em Porto Alegre. No topo da tabela, entretanto, constam duas entidades de ensino: Associação Educacional Luterana do Brasil (Aelbra-Ulbra), com R$ 40,3 milhões, e Centro de Integração Empresa Escola do RS (CIEEE), com R$ 22 milhões.
Na listagem do IPTU, imposto cobrado sobre a propriedade de imóveis, o predomínio é do setor imobiliário: 20 das 50 inscritas são incorporadoras, construtoras, administradoras de empreendimentos ou desenvolvedoras urbanas. A liderança é exercida pela Habitasul Negócios Imobiliários e Administração de Bens, com montante de R$ 21,1 milhões em aberto junto ao município.
Na soma absoluta, a prefeitura de Porto Alegre registra R$ 2,01 bilhões em dívida ativa, sendo R$ 991,8 milhões de ISSQN e R$ 766,9 milhões de IPTU e taxa de coleta de lixo, além de R$ 258,3 milhões de outros tributos como o ITBI. No total, o município contabiliza 595.271 lançamentos de pessoas físicas e jurídicas em dívida ativa.
Secretário Municipal da Fazenda, Leonardo Busatto defende a publicação das informações pelo princípio da "transparência" e para "beneficiar os que pagam em dia". Em tempos de dificuldades financeiras, de parcelamento de salários do funcionalismo, a cobrança de débitos pendentes é apontada como uma das alternativas para aplacar a insuficiência de recursos.
— Colocar o devedor na internet tem efeito pedagógico importante. Ninguém gosta de ter o seu nome lá — avalia Busatto.
No sistema virtual em desenvolvimento pela prefeitura, todos os inscritos em dívida ativa de IPTU, ISSQN e ITBI, entre outras taxas, terão as informações publicadas, independentemente do valor.
No Estado, lista existe há mais de uma década
Embora a intenção inicial fosse criar o Cadastro de Inadimplentes Municipal (Cadin/POA) via medida administrativa do prefeito Nelson Marchezan, houve recuo devido ao entendimento de que é necessário buscar aprovação dos vereadores – a medida deve ser enviada à Câmara após o recesso parlamentar, em fevereiro. Segundo a Fazenda, o sistema vai permitir a consulta por nome do contribuinte e pela lista de devedores.
O tema é considerado sensível – há alegações de afronta ao sigilo fiscal com a abertura dos dados –, mas no Estado a divulgação ocorre há mais de uma década. A Secretaria Estadual da Fazenda mantém um sistema virtual para pesquisar os inscritos em dívida ativa de ICMS e IPVA, entre outros tributos, individualmente ou em ordem decrescente, do maior para o menor débito. O subsecretário da Receita Estadual, Mário Wunderlich, explica que a lista inclui devedores com dívida "líquida e certa" e que não estão dando garantia para o pagamento. Para ele, instituições privadas que atuam baseadas na inadimplência de impostos criam para si uma vantagem competitiva no mercado em relação aos bons pagadores. A revelação dos devedores, neste contexto, é uma tentativa de trazer equilíbrio em favor de quem cumpre a legislação fiscal.
— É salutar do ponto de vista da transparência. As pessoas precisam saber quem não paga — afirma.
Wunderlich diz que a divulgação não vem causando problemas jurídicos ao Estado porque existe previsão legal no artigo 198 do Código Tributário Nacional (CTN): desde 2001, informações sobre inscritos em dívida ativa não estão sob sigilo.
— Está pacificado — afirma Wunderlich sobre a legislação, usada também pela prefeitura de Porto Alegre como argumento para a disponibilização dos dados.
QUANDO OCORRE A INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA
Secretaria Municipal da Fazenda
— Em Porto Alegre, a inscrição em dívida ativa é realizada imediatamente após o vencimento do tributo, explica a Fazenda. Depois, se iniciam as ações de cobrança: contatos com contribuintes para negociação, negativação, protesto extrajudicial, envio de SMS, entre outras.
— Em nota, a Fazenda informou que, em 2016, Porto Alegre foi a capital do país que obteve o maior resgate sobre o estoque existente da dívida, alcançando 8,08%, superando inclusive o Estado do Rio Grande do Sul, com 5,68%, e a União, com 1,49%.
— A Fazenda declarou que, no fechamento de 2017, espera ultrapassar, pela primeira vez, os R$ 200 milhões de arrecadação anual de dívida ativa.
Secretaria Estadual da Fazenda
— Quando o contribuinte declara que deve o imposto, mas não faz o pagamento, a inscrição em dívida ativa acontece automaticamente no prazo de 60 dias.
— Os demais casos, na maioria, envolvem situações de imposto não declarado, eventualmente objeto de sonegação. Nessa hipótese, o contribuinte é notificado pela Secretaria da Fazenda, que abre um processo administrativo. Ocorre um julgamento de primeira instância, feito por um auditor fiscal que decide sobre a correção do valor cobrado pela Fazenda. Se perder, o contribuinte ainda pode recorrer ao Tribunal Administrativo de Recursos Fiscais (Tarf), colegiado paritário integrado por representantes da Fazenda e da sociedade civil. Se o débito for confirmado no Tarf, ele se torna administrativamente consolidado. É nesse momento, explica o subsecretário da Receita Estadual, Mario Wunderlich, que ocorre a inscrição em dívida ativa. Wunderlich estima que, em média, esse processo leva menos de um ano.
— Depois da inscrição em dívida ativa, pode ocorrer discussão judicial, seja por parte da Fazenda para executar a dívida ou do contribuinte para tentar cancelar o débito.
CONTRAPONTOS
ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL LUTERANA DO BRASIL (AELBRA/ULBRA)
Por e-mail, informou que não irá se manifestar.
CENTRO DE INTEGRAÇÃO EMPRESA ESCOLA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (CIEE-RS)
"O município de Porto Alegre estabeleceu com o CIEE, há mais de 40 anos, um contraditório tributário. Nada obstante o CIEE esteja inscrito no cadastro de contribuintes do município, desde 11 de abril de 1974, como imune, pretendeu a Fazenda Municipal impor-lhe o pagamento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).
Essa pretensão foi julgada descabida pela 8ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, com sentença confirmada no dia 27 de setembro de 2017 pela 21ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Apelações cíveis nºs. 70074994278 e 70074994286). Os autos se encontram atualmente em poder da procuradoria da Fazenda Municipal.
O CIEE confia na prevalência do bom-senso e espera que o município de Porto Alegre não leve essa aventura tributária até os Tribunais Superiores."
UNIMED/RS – FEDERAÇÃO DAS COOPERATIVAS MÉDICAS DO RIO GRANDE DO SUL LTDA
"A Federação das Unimeds gaúchas, como operadora de planos de saúde, contribui, anualmente, em média, com um milhão de reais para pagamento deste imposto. A prefeitura de Porto Alegre, não satisfeita, procura estender esta cobrança para atos societários internos da Federação, que não estão incluídos como base para tal exigência.
A Federação, tendo dado garantias bancárias fortes para sustentar a discussão, obteve liminares judiciais que sustaram a indevida cobrança, com base em precedentes do Tribunal de Justiça do Estado e do Superior Tribunal de Justiça.
A UNIMED RS considera-se contribuinte municipal regular, apenas não podendo concordar com exigências exorbitantes, que gerem custos indevidos com forte repercussão no custo dos serviços fundamentais de saúde que presta".
PRICEWATERHOUSECOOPERS AUDITORES INDEPENDENTES (PwC)
"O valor inscrito em dívida ativa pela prefeitura de Porto Alegre refere-se à cobrança de ISSQN que, assim como nossos advogados tributaristas, entendemos indevida, e é objeto de discussão judicial. Desse modo, consideramos estar em dia com nossas obrigações tributárias."
CITIBANK LEASING S/A ARRENDAMENTO MERCANTIL
"O Citi não comenta questões em andamento na esfera judicial e reforça sua conduta pautada pela plena observância da legislação."
HABITASUL NEGÓCIOS IMOBILIÁRIOS E ADMINISTRAÇÃO DE BENS S/A E HABITASUL DESENVOLVIMENTOS IMOBILIÁRIOS S/A
"A Habitasul Negócios Imobiliários e Administração de Bens S/A e Habitasul Desenvolvimentos Imobiliários S/A informam que discutem judicialmente os valores cobrados a título de IPTU em função dos imóveis estarem invadidos ou por haver divergência no cálculo dos valores cobrados".
DALLASANTA EMPREENDIMENTOS E INCORPORAÇÕES LTDA
"A Dallasanta cumpre com seus compromissos fiscais e tributários em sua integralidade, integridade e pontualidade. Isso poderá ser corroborado, inclusive, pelo pagamento antecipado de IPTU, em seu vencimento no dia 03/02, na ordem de R$ 3 a R$ 4 milhões, o que faz de nossa empresa uma das maiores recolhedoras deste tributo ao município de Porto Alegre.
Os números contabilizados por nós – e que poderiam ser, equivocadamente, parte integrante de possível dívida ativa – também não são devidos no presente momento, além de totalizarem um montante infinitamente menor do que o apurado pela reportagem.
Os montantes registrados em nossos controles são decorrentes de imóveis arrematados em leilão e cujas dívidas e pendências ainda não são de responsabilidade da Dallasanta ou, ainda, oriundos de imóveis adquiridos em parceria ou sociedade cujo rateio do imposto não é reconhecido pela prefeitura, bem como àqueles cuja cobrança é questionada, tendo, inclusive, seus valores depositados em juízo visando a garantia da dívida caso se confirme. Desta forma, vimos dar conhecimento à equipe de jornalismo da RBS que não há tributo pendente e que todo e qualquer valor que possa ser atribuído à Dallasanta está, no presente momento, cumprindo seu rito jurídico para, a seu tempo, ser regularizado".
COUNTRY EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA
"No que diz respeito ao IPTU dos exercícios de 1993 a 2000, relativamente ao terreno sito nesta capital, à Rua Marechal Andrea, 350, trata-se de lançamentos que foram efetuados com a alíquota progressiva máxima prevista na legislação porto-alegrense para terrenos não edificados (6%). Esses exercícios correspondem a período sobre o qual o Supremo Tribunal Federal viria a decretar, em múltiplos julgados relativos ao IPTU de Porto Alegre e outras cidades, a inconstitucionalidade da progressividade das alíquotas do tributo, progressividade essa que só passou a ser constitucional a partir do exercício de 2001, após a publicação da Emenda Constitucional n. 29/2000.
No caso específico dos lançamentos do terreno da Rua Marechal Andrea, em nome de Country Empreendimentos Imobiliários, ingressamos com a ação judicial correspondente em maio de 2000 junto à Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre (ação ordinária n. 001/1.05.0340771-6, ajuizada em 15.05.2000), discutindo essa alíquota progressiva de 6%. Após anos aguardando julgamento de nosso recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal, ao qual foi remetido em setembro de 2006, o processo foi reativado no meio de 2015, com sua devolução ao Tribunal de Justiça para rejulgamento da questão pelo 1º Grupo Cível, o qual, na data de 01.09.2017, deu parcial provimento ao recurso de embargos infringentes da empresa Country, em julgado que teve como relator o desembargardor Ricardo Torres Herrmann. A decisão do Grupo Cível foi unânime, no sentido de reduzir de 6% para 1,5% a alíquota lançada, nos termos do acórdão correspondente (embargos infringentes n. 70006277842).
Esse acórdão foi publicado pela Secretaria do 1º Grupo Cível do Tribunal de Justiça em 27 de novembro passado, e pende ainda de trânsito em julgado. Entretanto, considerando-se a jurisprudência firmada a respeito da questão, principalmente os termos da Súmula 668 do Supremo Tribunal Federal, é fortíssima a probabilidade de êxito da Country na referida ação, com a consequente redução do imposto lançado de 6% para 1,5%, o que equivale a uma redução de três quartos de um valor notadamente inconstitucional, cujo direito à sua discussão assiste a contribuinte Country Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Quanto ao exercício de 2003, que não faz parte da referida ação judicial, trata-se de débito já prescrito, com reconhecimento da prescrição perante o TJRS, restando apenas o procedimento administrativo de baixa do lançamento, a ser efetivado pela Prefeitura de Porto Alegre, conforme requerimento já protocolado."