A suspensão das obras do aeromóvel em Canoas, no coração da Grande Porto Alegre, coloca em xeque uma das mais ambiciosas e controversas iniciativas em mobilidade urbana dos últimos anos na região. O impasse deixa dúvidas sobre o destino de materiais já comprados, de um financiamento de R$ 272 milhões da Caixa, e pode resultar em uma disputa jurídica.
A prefeitura de Canoas barrou por tempo indeterminado a implantação dos trens com base em um ofício da Metroplan que questiona a legalidade e a viabilidade do projeto. A interrupção foi anunciada sete anos após o começo das discussões sobre a construção do novo sistema, e pouco mais de três anos depois da assinatura do contrato com o governo federal para garantir os primeiros recursos. Estimulado por ventos favoráveis de início, a proposta perdeu impulso no ano passado com a mudança de gestão em Canoas e posicionamentos desfavoráveis da Metroplan.
O atual prefeito, Luiz Carlos Busato (PTB), sempre criticou a iniciativa tocada por seu antecessor, Jairo Jorge (ex-PT, hoje no PDT) por considerá-la inviável economicamente. Já a Metroplan, a princípio ausente dos estudos e negociações, pediu informações ao município pela primeira vez em 2016 e passou a analisar aspectos técnicos e jurídicos.
Um ofício de 16 de fevereiro assinado pelo presidente da Metroplan, Pedro Bisch Neto, e pelo secretário de Obras do Estado, Fabiano Pereira, formalizou o "indeferimento da aprovação do projeto" em razão da "inadequação do modal aeromóvel" à realidade local por supostamente não ser apropriado para "transporte de grande massa de passageiros" e falta de "viabilidade tarifária". Por isso, Busato freou o aeromóvel.
— Esse modal, legalmente, não é municipal, é metropolitano. Pelo fato de descarregar passageiros no Trensurb, está sob regência da Metroplan — diz Busato.
A dúvida levantada pelo ex-prefeito de Canoas Jairo Jorge é: se o Estado precisava autorizar o projeto, como o processo recebeu aprovação federal, ainda em 2013, foi novamente analisado pela Caixa, no ano seguinte, e desde então avançou sob a vigilância de órgãos como o Tribunal de Contas do Estado? A Metroplan informou que não se manifestaria. O TCE realizou uma reunião quinta-feira (1º) à tarde sobre esse tema, mas até o começo da noite não havia divulgado um parecer. A Controladoria-Geral da União segue fazendo uma auditoria no empreendimento.
Para Jairo Jorge, o aeromóvel é de jurisdição municipal, embora o traçado preveja uma estação junto à linha do trensurb:
— É um parecer político (da Metroplan) que, mais uma vez, tenta sepultar o aeromóvel. O projeto é municipal porque não existe nem integração tarifária com a Trensurb.
O CEO da Aeromóvel Brasil, Marcus Coester, sustenta que a viabilidade do sistema foi analisada com minúcia ao longo dos últimos anos, e os trens têm capacidade já testada de carregar 9 mil pessoas por hora e por direção — o que seria mais do que o dobro do previsto para Canoas. A tarifa estimada seria a mesma de um ônibus.
— Estamos abertos ao diálogo, mas não descartamos recorrer à Justiça para garantir o cumprimento do contrato. Firmamos um contrato com a prefeitura, não com um prefeito — diz Coester.
A prefeitura pediu à Caixa para renegociar os R$ 272 milhões de financiamento e direcionar o recurso para outros projetos — o que está em análise. Não está definido, porém, como recuperar os R$ 64 milhões já gastos, ou que destino dar a toneladas de equipamentos como motores, ventiladores e 800 toneladas de trilhos já pagos pela prefeitura de Canoas e armazenados em um galpão. Dos seis veículos encomendados, apenas um primeiro modelo foi feito, mas ainda não entregue.
— Parte do material até poderia ser vendida, mas há muitas peças feitas sob medida —afirma Coester.
Veja algumas das principais etapas do Aeromóvel em Canoas
2011
Sob a gestão de Jairo Jorge, o município de Canoas começa a discutir alternativas de mobilidade. O aeromóvel ganha força pela avaliação de que combina baixo custo de implantação e operação com pouco impacto ambiental.
2012
A prefeitura de Canoas firma convênio com a Trensurb para estudos técnicos sobre a viabilidade de se implantar um aeromóvel no município.
2013
Março — O projeto do aeromóvel em Canoas é aprovado pelo governo federal para receber recursos da União. São prometidos R$ 272 milhões. Os detalhes da iniciativa, como aspectos técnicos e operacionais, passam por estudos conjuntos com Ministério das Cidades e Caixa Econômica Federal.
2014
Outubro — A prefeitura de Canoas e o Ministério das Cidades assinam contrato para construção do Aeromóvel. A linha 1 ligaria a estação Mathias Velho do Trensurb ao bairro Guajuviras e atender 60 mil passageiros por dia. O custo seria de R$ 287 milhões, com R$ 272 milhões do governo federal e R$ 15 milhões de contrapartida do município.
2015
Junho — É assinada a ordem de início para a implantação do aeromóvel em Canoas, que compreende os projetos executivos e a fiscalização das obras civis da primeira linha.
2016
Junho — Prefeitura lança edital para construção da via elevada do Aeromóvel. No mês seguinte, a Metroplan envia ofício à prefeitura requisitando informações técnicas sobre o projeto. A fundação alega ter ficado sabendo da iniciativa "através da mídia".
Novembro — enquanto a prefeitura prepara edital para a concessão dos serviços de aeromóvel e ônibus, uma audiência pública discute o projeto, colhe sugestões e críticas.
Dezembro — A Metroplan envia ofício à prefeitura de Canoas informando não poder aprovar o projeto do Aeromóvel pela falta de resposta às solicitações feitas em julho. O município argumentou que algumas informações ainda dependiam da análise das sugestões apresentadas em consulta pública.
2017
Fevereiro — Já sob nova gestão, do prefeito Luiz Busato, a prefeitura encaminha novas informações à Metroplan sobre o projeto. A Metroplan segue considerando o projeto inviável.
Em meados do ano, por uma disputa judicial entre as duas empresas melhor colocadas na licitação para realizar a obra elevada, a construção perde fôlego.
2018
Fevereiro — A Metroplan emite um ofício sustentando que o projeto do Aeromóvel tem impacto metropolitano e precisaria de autorização do órgão estadual para sair do papel. Informa ainda que, após as mais recentes análises, não vê viabilidade técnica e financeira nesse projeto específico. A prefeitura decide interromper a implantação e aguardar manifestações da Caixa, da CGU e do TCE.