O porteiro Alexsandro Lemos dos Santos, 38 anos, foi surpreendido por um "aviso estranho" exposto no interior do ônibus que utiliza para chegar ao serviço. Trabalhando há cerca de oito anos no Centro Histórico, em Porto Alegre, o morador do bairro Humaitá, na zona norte, utiliza a linha 704/Humaitá para chegar ao centro.
Em dias quentes, como boa parte dos usuários do transporte da Capital, torce para pegar um ônibus equipado com ar-condicionado. Porém, na segunda-feira (19), encontrou um cartaz informando que o Consórcio MOB (Mobilidades em Transporte) desligou a refrigeração dos veículos que possuem o equipamento.
A justificativa era "permitir a circulação do ar" e prevenir a "gripe H1N1", já que ela "é uma doença que se transmite por meio da tosse, espirro ou contato com secreções", dizia o cartaz.
— Eu posso ter pouco conhecimento, mas acho que o ar-condicionado renova o ar, e não faz uma doença se espalhar — arrisca o porteiro.
Lei antiga
O texto exposto no ônibus ainda garantia que o desligamento estava baseado em uma resolução da Secretaria Municipal de Transportes (SMT), de fevereiro de 2011. Porém, segundo a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), a norma não tem mais validade. Isso porque, desde o fim do ano passado, um novo decreto do prefeito Nelson Marchezan determinou que os ônibus equipados com ar-condicionado devem ligar a refrigeração sempre que a temperatura for igual ou superior a 24ºC.
A nova lei foi criada depois que o Diário Gaúcho mostrou que as empresas só precisavam manter o equipamento ligado durante metade do ano, de novembro a abril, conforme dizia a antiga resolução da SMT, de 2011.
— Se existe uma lei que manda ligar quando está calor, ela deveria ser cumprida. Mas, infelizmente, não podemos esquecer que aqui é o Brasil — critica Alexsandro.
"Justificativa infundada", diz especialista
A diretora da empresa Varial Comércio de Ar-Condicionado para Veículos, Nina Cassali, classificou como "estranha e infundada" a justificativa da empresa para desligar o ar-condicionado. Segundo ela, que costuma organizar cursos para instalação e manutenção desse tipo de equipamento, o ar em um ambiente climatizado passa constantemente por uma filtragem.
— O ônibus está fechado, o sistema de ar é protegido de impurezas externas. Da rua, nada passa pelos sistemas de filtro, nem vírus ou bactérias, ou até, por exemplo, um mosquito. Dentro do veículo, o ar está sendo sempre renovado, limpo e filtrado — afirma Nina.
Ainda conforme a diretora da Varial, para manter a qualidade do ar, os filtros devem passar constantemente por higienizações, pois, assim, não acumulam qualquer tipo de organismo que possa contaminar o ar:
— Um filtro mal cuidado pode, sim, gerar problema, mas de ordem respiratória, mais ligada a alergias. Não a um vírus como o H1N1.
A sanitarista e professora de saúde pública da Feevale Solange Shama reforça a fala de Nina. Segundo Solange, quando o sistema de refrigeração é limpo e higienizado, o risco de transmissão de doenças é muito baixo.
— Prevenção de H1N1 é mais comum no inverno. No verão, nesse calor, não ligar o ar-condicionado traz chances de problemas de saúde aos passageiros, que podem até passar mal em função das altas temperaturas no interior dos veículos.
"Cartaz era de uma campanha antiga", afirma MOB
O consórcio MOB, por meio da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP), esclareceu o caso. Segundo a empresa, o cartaz referido é de uma campanha veiculada em 2016, quando a antiga resolução da SMT era vigente.
À época, o aviso foi colocado em 283 carros. Porém, segundo a MOB, "por algum motivo, que a companhia lamenta, mesmo após o término da campanha, o cartaz permaneceu em um único ônibus entre os mais de 440 da frota do consórcio".
Na nota enviada, a empresa ressalta que foi um fato isolado. A MOB finalizou garantindo que visa sempre atender a orientações, leis, decretos e resoluções do órgão gestor, o que inclui a determinação referente ao ar-condicionado.
EPTC removeu aviso
O cartaz fotografado pelo passageiro foi retirado de circulação pela EPTC que, após contato da reportagem, informou ter feito vistoria nos veículos da linha 704 e 7041. Ainda segundo a EPTC, não havia autorização em vigor para o cartaz estar exposto, e a empresa foi notificada. A EPTC orienta usuários que queiram fazer qualquer reclamação sobre o transporte público a ligar para o telefone 118.
A Secretaria Municipal de Saúde também informou que não há, atualmente, qualquer alerta em Porto Alegre que determine medidas para conter o avanço de casos de H1N1.
*Produção: Alberi Neto