O Fiat Palio apreendido durante blitz da Balada Segura no dia 20 de outubro, no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, chamou atenção das autoridades por um motivo: tinha mais de R$ 82 mil em pendências administrativas, incluindo multas e taxas. Ao todo, o veículo somava 324 infrações. O condutor não foi detido e acabou liberado sem precisar pagar multa ou fiança. O carro foi abandonado no local. As multas estão em nome de Daniel Calebe Soares, de 26 anos, de Gravataí. Desde 2012, o Palio virou seu pesadelo. Ele diz que foi vítima de um estelionatário, e jamais recebeu um centavo dos R$ 30 mil prometidos. Soares tenta provar à Justiça que caiu em um golpe e que não era o motorista.
— Esse carro era financiado e eu não queria mais o financiamento. Meu negócio era vender e a pessoa pagar o financiamento. Depois percebi que era um golpe. Passaram-se os dias e o processos e multas começaram a chegar. Eu não estava dirigindo, mas provar isso é muito complicado. Me sinto impotente. No desespero, contratei detetive particular para tentar achar esse carro. Tenho convicção que entrou nesse comércio, e roda até cair em uma blitz — lamentou ele, que já teve a carteira de motorista cassada.
A expressão "rodar até cair" é bastante utilizada nas redes sociais para um mercado paralelo de compra e venda de veículos em condições irregulares. Na prática, um vendedor recebe dinheiro e entrega o veículo sem haver formalidade e comunicação da transação junto aos órgãos de trânsito. Os preços de compra e venda ficam bem abaixo do mercado.
Como a transação é irregular, as infrações, geralmente administrativas e oriundas de radar móvel, vão para o proprietário registrado junto ao Detran, mesmo que o carro tenha sido repassado. A reportagem se passou por interessada e conversou, nos últimos dias, com pessoas que oferecem os veículos em grupos nas redes sociais. Na maioria dos casos, os vendedores não sabem quem é o dono do carro. Em uma página do Facebook, por exemplo, uma caminhonete Palio Weekend 2008 avaliada pela tabela Fipe em R$ 22 mil é oferecida por R$ 6 mil. A mulher que vende o carro explica que o carro tem R$ 4 mil em pendências.
— O carro está em boas condições, mas eu não conheço a dona. Eu peguei só para rodar. Se tu cair em uma blitz, só perde o carro. Mas tu não vai preso. A multa vai para a dona do carro. Eu peguei só pra andar até perder — disse a mulher, que não quis revelar por telefone a placa do veículo.
Nesses casos, a placa do carro geralmente não é informada. A Polícia Civil alerta que a transação inadequada do veículo não é crime. Entretanto, pode gerar problemas criminais para quem vende ou para quem compra. O titular da Delegacia de Repressão Roubo de Veículos, Marco Guns, diz que, muitas vezes, os carros são roubados, clonados ou alienados. Em algumas situações, a compra por um valor mais baixo pode até render crime de receptação:
— Inúmeros são os casos na Região Metropolitana em que os carros são maquiados. Isso demostra que a pessoa assumiu o risco de comprar um carro roubado.
O Detran afirmou que é comum recolher carros com pendências administrativas de valores superiores até mesmo ao preço do carro. Na maioria dos casos, os proprietários jamais vão atrás do veículo. Os carros vão para leilão ou, dependendo das condições, são vendidos como sucata. O Detran alerta, no entanto, que o proprietário precisa ter atenção. As pendências entram na Dívida Ativa do Estado, e uma simples multa pode virar dor de cabeça e ação judicial. É o que explica o diretor técnico do Detran-RS, Mauro Delvaux.
— A responsabilização pecuniária das infrações de trânsito é sempre do proprietário. Se ele não pagar, é aberto processo para inscrever a multa em dívida ativa. Ele passou o veículo sem fazer a comunicação de venda, e vai ser cobrado por dívida ativa. Ninguém transfere e ninguém cumpre a legislação. Ninguém, no caso, são essas pessoas que fazem essa prática de rodar até cair — disse.
Conforme a EPTC, em situações em que o carro é recolhido, o motorista apenas assina um registro da infração, mas não é ele que é multado e sim o dono do veículo como ocorreu no caso do Palio.