Rafael Ulrich Álvares da Silva teve uma surpresa e voltou três décadas no tempo ao deparar com Cristina Pergher Kunz durante a entrevista que costuma ser realizada entre famílias e o serviço de orientação educacional para a matrícula de novos alunos no Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre.
– Acho que a senhora foi minha profe no pré – arriscou o empresário de 36 anos.
Apresentaram-se, fizeram uma rápida checagem de datas, recordaram nomes de outros estudantes da mesma época e logo tiveram certeza: sim, ela tinha sido professora dele em 1987. Um fato ainda mais marcante estava reservado para meses depois: ao olhar a lista de chamada do ano letivo de 2017, Cristina descobriu que Bento, cinco anos, o primogênito de Rafael, havia ido parar justamente em sua turma de Educação Infantil, entre as nove existentes de nível 3. No primeiro dia de aula, o empresário postou no Facebook uma selfie da família no Rosário, comentando a coincidência: "Emocionante! Impossível não se arrepiar!", escreveu.
– Meu Deus do céu, tô ficando velha! – resume Cristina, rindo, os reencontros.
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Reunidos para a sessão de fotos que ilustra esta reportagem, Rafael e Cristina resgataram recortes de memórias de 30 anos atrás. Então com seis anos, o menino via uma professora serena e paciente, que o acalmava quando ele ficava nervoso por estar longe da mãe. Num dia em que a tarefa da classe envolvia cola e purpurina, Rafael se desesperou ao perceber que ficara sem o pozinho colorido, o que impediria a conclusão do trabalho. Abraçado nas pernas de Cristina, chorou. Mas o garoto sensível era também travesso e ativo: aprontava com os coleguinhas, tentando entrar no banheiro das meninas para trancar a porta por dentro e impedir o acesso, e adorava as brincadeiras ao ar livre – procurava concluir logo os exercícios para partir para a diversão.
– Lembro de escrever uma linha inteira de letra A no caderno de caligrafia. Ficava horrível, eu fazia correndo para ir brincar. A Cristina vinha, apagava e pedia para eu repetir – conta Rafael, pai também de Nina, quatro meses. – O Bento vai ser igual – diverte-se.
Cristina concorda: o guri é mesmo sapeca, tem a quem puxar.
– O Bento gosta muito de brincar, adora correr no pátio, é bem procurado pelos amigos. Adora vampiros e zumbis. A fantasia ainda está grande nele – descreve a educadora.
Ao longo de toda a carreira, Cristina sempre trabalhou com crianças da mesma faixa etária. Encanta-se com a franqueza, a afetividade e a tagarelice dos pequenos de cinco a seis anos. Não gosta de ficar de fora dos papos e, quando necessário, procura assistir ao desenho animado da moda para se informar do que se trata. Da turma de Rafael, ela se lembra de um grupo tranquilo, ainda assim desafiador para o seu começo no emprego, meio no improviso – a jovem professora pegou o barco em movimento, tendo de assumir o lugar da titular, que saiu antes da hora em licença-maternidade. Cristina estava cursando a graduação em Pedagogia, viriam ainda a pós-graduação em Psicopedagogia e uma vida inteira de experiência.
– Minha prática hoje é bem diferente – observa. – Naquela época, fazíamos pontilhados, eu dava a letra pronta e eles colavam bolinhas de papel em cima, pedia para ligarem os pontos e formar desenhos, como o de um coelho com uma cenoura. Hoje as crianças dão o rumo do trabalho – exemplifica.
Bento está começando a descobrir o alfabeto, demonstra interesse pelos números, explora dinossauros e a irmã bebê nos desenhos produzidos em aula. Ficou faceiro ao saber que o pai teve a mesma profe, de quem gosta muito.
– A profe manda na gente! – relata Bento em casa ao pai e à mãe, a empresária Lauren Haeberlin.
Mesmo sem ter mantido contato com Rafael por tanto tempo, Cristina celebra o resultado da "semente plantada" lá atrás e os vínculos que agora se reforçam, por meio de uma nova geração.
– Ele podia não se lembrar de mim, mas lembrava. Tenho uma caminhada, uma história como professora, e vejo a importância que temos na vida das pessoas. Tive um significado positivo. Isso mexe com a gente, emociona – conclui Cristina.