Há três anos, o projeto de jiu-jítsu da Aldeia da Fraternidade, instituição do Bairro Tristeza para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, começava a transformar a vida da gurizada. Agora, eles tiveram mais uma prova de que treinar com disciplina e se dedicar ao esporte vale a pena: seis atletas da entidade trouxeram para casa, na segunda-feira da semana passada, medalhas de ouro e de prata do campeonato mundial disputado em São Paulo.
– Nos treinos, começamos a ver que tinha a gurizada que treinava para o lazer e a que treinava mais sério. Fizemos uma equipe de competição porque sabíamos que ia ter a disputa. O professor tomou a decisão de levá-los ao mundial. Era um sonho – conta Simone Oliveira, 35 anos, pedagoga e coordenadora do eixo Esporte e Lazer da Instituição.
Ao todo, sete atletas viajaram para participar do mundial: Diana Regina, 13 anos, Rian Costa Silva, 13, Evelyn Maciel, 13, Yasmym Oliveira, oito, Ritchelly Andrelis, nove, Miguel Soares, 12, e Marcel Maciel, 11.
Dentro do centro de treinamento do Aldeia, idade ou peso pouco importam, ao contrário das competições. Meninos treinam com meninas, e mais velhos com mais novos. Uma maneira de variar os treinos e testar os limites de força de cada um. Para prepará-los, o professor cobrou com dureza nos treinos.
– Eu estou cansada, mas o professor diz: “Luta com ela! Agora, com ele... Agora, com ela...” – ri Yasmim.
Transformação
O trabalho com as crianças na Aldeia, que ainda oferece aulas de música, recreação e esporte, serve para ajudá-las também nos desafios da vida. No jiu-jítsu, alunos agressivos aprendem que golpes só são aceitos nos treinos, que acontecem três vezes por semana. E para competir é preciso ter boas notas. Pouco a pouco, eles foram entendendo valores como disciplina e perseverança.
– O objetivo do projeto não é fazer grandes campeões, mas ver a mudança no dia a dia desses jovens – diz o professor de jiu-jítsu Eduardo Oliveira Rodrigues, 32 anos.
No dia a dia, os próprios jovens percebem as transformações.
– Agora, vou bem na escola – diz Diana.
A atividade também ajudou Marcel, que costumava brigar com os colegas.
– A mãe dele era chamada na escola toda semana – lembra Simone, enquanto ele concorda.
Campeões de perseverança
O projeto é considerado um sucesso também por unir a comunidade e aumentar a autoestima das famílias, que veem seus filhos progredindo na escola e no esporte. Porém, apesar de todo o empenho de professores e atletas, a realidade pesa: nas competições internacionais, as desigualdades ficam explícitas.
Com falta de patrocínio e auxílio para competições, as famílias, para conseguirem arcar com os custos de levar de avião as crianças, precisam apertar o orçamento, complementar a renda vendendo alimentos e até trabalhar em mais turnos.
Os quimonos são contados, e os tamanhos, limitados. Uns herdam dos outros, mas, aos poucos, param de servir. É por doações que eles conseguem novos fardamentos. O sonho do projeto, entre tantos outros, é ter um vestiário com chuveiros.
– Eles veem outras crianças chegando de táxi, com bebida isotônica na mão. Tudo isso pesa, mas eles nos dão uma grande lição de vida: continuam treinando, dividem as camas, ajudam uns aos outros com as roupas durante a viagem – pondera Simone.
Para participar do programa e frequentar a escola, algumas crianças têm de pegar mais de dois ônibus para chegar ao Aldeia, onde eles encontram os amigos que consideram família. Os irmãos Marcel e Evelyn, que moram no Bairro Belém Velho, enfrentam uma longa jornada até a Tristeza, todos os dias, mas não se queixam.
– Vale o esforço. Ela foi campeã, e eu, vice – diz Marcel apontando para a irmã.
Saiba mais
/// Apenas jovens matriculados na Aldeia da Fraternidade podem participar do programa de jiu-jítsu.
/// A matrícula é feita mediante cadastro e seleção com base no grau de vulnerabilidade social.
/// Informações pelo telefone (51) 3268-3313.