Seis meses depois da assinatura dos contratos para 71 novos táxis acessíveis para cadeirantes em Porto Alegre, um terço deles ainda não circula nas ruas. E, talvez, nem entrem em operação: com a expansão de serviços de transporte por aplicativo como Uber e Cabify, já não compensa tanto manter um táxi. Cenário oposto ao de 2015, quando uma concorrência aberta pela prefeitura fez com que interessados oferecessem até R$ 750 mil por licença.
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– Na época, não tinha Uber e Cabify em Porto Alegre, o rendimento dos taxistas era diferente. Então, muita gente deu lances altos para garantir a concessão. Nós questionamos esse critério de escolha da prefeitura. O ideal seria ter sido decidido através de sorteio – opina o presidente do Sindicato dos Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi), Luiz Nozari.
Em 2015, a prefeitura recebeu 511 propostas. Os 89 que ofereceram o maior valor pela licença passaram para uma segunda etapa de treinamento e seleção e, em outubro de 2016, 71 taxistas assinaram o contrato. O valor mínimo exigido pela administração municipal era de R$ 63 mil, mas os lances ficaram bem acima disso. O vencedor com lance mais baixo foi de R$ 262 mil, enquanto o contrato mais caro assinado foi de R$ 611,9 mil – o taxista que havia proposto pagar R$ 750 mil acabou desistindo.
Assinado em 28 de outubro, o contrato determinava que, dentro de 180 dias, todos deveriam estar com os veículos aprovados por vistoria feita pela prefeitura. No entanto, os motoristas alegam que, devido às mudanças no mercado, ficou difícil manter o serviço e pagar as prestações. É o caso de Thais Zilmer dos Reis, que deu um lance de R$ 505 mil.
– Quando demos o lance, não existia concorrência, e isso está dificultando um pouco, principalmente para os lances maiores. Além dos gastos com o serviço, tem as contas de casa também, né? – comenta.
Para amenizar a situação, o grupo pediu alterações no contrato à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Uma delas é pagar a licença ao longo de 35 anos, que é o tempo total da concessão – a regra da licitação previa quitar o valor em 20 anos.
Outro pedido foi que o prazo estipulado para colocar os veículos nas ruas passasse a valer após a publicação das concessões no Diário Oficial de Porto Alegre, que ocorreu em dezembro do ano passado. Foi só depois disso que Orion Santorum, 58 anos, pôde buscar o financiamento no banco para comprar sua Spin adaptada.
– Não penso em desistir, porque já fiz o investimento, estou com o carro comprado. Estou só esperando o carro vir de São Paulo para começar a trabalhar – conta o motorista, que deu um lance de R$ 368 mil.
Prazos podem ser alterados
Segundo a EPTC, a elaboração do contrato e publicação no Diário Oficial levou mais tempo porque a tramitação é para 71 concessões de valores diferentes. O órgão informa que, como teve uma "série de atipicidades" que ocasionaram o atraso, o prazo será prorrogado em mais dois meses.
Sobre o aumento das condições de pagamento da concessão, a EPTC está analisando o pedido junto à Procuradoria-Geral do Município (PGM) e espera ter um posicionamento na primeira quinzena de maio. Como foi um requerimento coletivo, a empresa diz que há boa chance de conceder o pedido dos taxistas, mas ainda é preciso analisar questões jurídicas.
O professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Universidade Feevale Dailor dos Santos entende que é possível alterar uma licitação desde que haja comum acordo entre poder público e vencedores da licitação.
– Se for de exclusivo interesse dos taxistas, a alteração não pode ser levada adiante, já que se trata de uma permissão. Em tese, quem manifesta interesse não pode querer estabelecer algo. Mas, como se trata de uma situação de forte interesse público, a administração pode entender que é preciso flexibilizar o que foi acordado e entrar em um consenso com os motoristas – explica o doutorando em Direito Público.
A experiência compensa
Novata no ramo, Thais largou a profissão de designer de interiores e há três semanas está rodando pelas ruas da cidade. Inspirada no pai, que é taxista, foi na licitação que Thais viu a oportunidade de apostar em um negócio próprio. Para a jovem, a nova experiência tem sido gratificante:
– Tento sempre fazer com que eles (os cadeirantes) se sintam especiais. É muito bom ver a satisfação deles cada vez que entram no carro e de quem espera por eles no destino final. A gente não faz corrida só para quem precisa de acessibilidade, atendemos a todos os públicos. Mas o sentimento que dá quando eu carrego um cadeirante faz tudo isso valer muito a pena.
App próprio para táxi acessível
Idealizado pelos próprios taxistas, o Acessível Poa é um aplicativo para smartphone, quase semelhante aos apps de transporte privado, como Uber e Cabify.
– Nós resolvemos criar um aplicativo exclusivo para táxis acessíveis para facilitar a busca para quem precisa. Em 10 dias, já temos mais de cem clientes cadastrados – explica Orion Santorum, presidente da Associação dos Táxis Acessíveis de Porto Alegre, que foi criada no início deste ano pelo grupo de taxistas. Ele salienta que as tarifas dos táxis com acessibilidade são as mesmas cobradas nos táxis normais.
Disponível para Android e iOS, o aplicativo é gratuito e, apesar de ser prioritariamente para cadeirantes, todos que desejarem podem utilizar o serviço. É possível pedir a corrida na hora ou, se preferir, agendar para outro dia. Além disso, o app permite consultar quanto, mais ou menos, será pago pelo serviço.
Quando a chamada é feita, o aplicativo tenta localizar o carro mais próximo em um perímetro de três quilômetros. Caso não haja táxi disponível, a busca é feita em uma área de cinco quilômetros. Se, ainda assim, nenhum motorista tiver aceitado a corrida, uma terceira tentativa é feita em uma região de até oito quilômetros de distância.