Eram 21h16min da noite de sábado quando o Sambódromo do Porto Seco foi liberado para a realização dos desfiles das escolas de samba da Série Ouro do Carnaval de Porto Alegre. Do lado de fora, o público que formava fila foi entrando, enquanto havia correria nos barracões e na área de pré-concentração.
Eram componentes das escolas que, devido à demora na liberação da estrutura, não estavam conseguindo acessar o Sambódromo. Isso acarretou atrasos em todas as apresentações. A última escola a pisar na avenida, a Império da Zona Norte, iniciou sua apresentação pouco antes das 8h da manhã, quase duas horas de atraso em relação à previsão inicial.
Entre os homenageados pelas escolas estavam o apresentador José Abelardo Barbosa de Medeiros (1917-1988), o Chacrinha, e o empresário Eduardo Natalício, 36 anos. Madrinha de bateria da Imperatriz Dona Leopoldina, Paola Serpa Severo, assassinada aos 33 anos numa tentativa de assalto em Cachoeirinha, em fevereiro, também foi lembrada.
Na noite de sexta-feira, as escolas da Série Prata não se apresentaram por conta de problemas no PPCI. Na tarde de sábado, após melhorias – o número de extintores, por exemplo, teve de ser aumentado de 68 para 195, e o projeto modificado pelo menos três vezes – foi feita a última vistoria. O dia de incertezas resultou em redução do número de componentes nas primeiras escolas da noite.
O prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior acompanhou os desfiles no camarote da prefeitura. Ele reiterou que o Carnaval não contará mais com recursos públicos. Entre os destaques de uma estrutura mais enxuta e público menor, a pista de desfiles estava mais iluminada.
Veja as fotos dos desfiles:
Veja como foi o desfile de cada escola:
Embaixadores do Ritmo
– Está se tornando um projeto sem respeito com o carnavalesco e com a cultura popular.
Assim, Adolfo Giró, um dos baluartes da Embaixadores do Ritmo resumiu o sentimento da escola minutos antes de abrir os desfiles da Série Ouro, na noite de sábado, depois de todos os contratempos que marcaram o período pré-carnavalesco neste ano.
Um problema no acesso dos componentes das escolas ao Sambódromo foi apontado como o motivo do atraso da chegada do mestre-sala Tiriri, membro do primeiro casal com a porta-bandeira Simone. A presidente Briane Giró destacou que a escola colocou na avenida todas as alas previstas no organograma, mas a apresentação ficou menor pela ausência de componentes de foram embora do Porto Seco antes do desfile, o que ficou evidente na avenida.
Passava das 23h – a previsão do cronograma indicava que a primeira escola entraria às 22h35min – quando a Embaixadores cruzou a linha de pontuação. Homenageando o centenário do samba, a escola levou a terreira de Tia Ciata e várias personagens representando Oxum para a passarela do samba. O segundo carro, mostrou referências ao primeiro samba gravado, Pelo Telefone. O último carro homenageou o Carnaval. Com fantasias e alegorias simples, a escola passou na avenida dentro do tempo previsto, de 50 minutos.
Bambas da Orgia
Ironicamente, em um enredo que dizia que num piscar de olhos tudo pode acontecer, por cinco minutos a Bambas da Orgia excedeu seu tempo de apresentação, que deverá acarretar a perda de pontos por problemas de evolução. A escola entrou na avenida às 0h20min. Mesmo com bastante espaço vago nas arquibancadas, contou com o apoio da torcida azul-e-branco, que esquentou durante a noite fria no Porto Seco e vibrou com as paradinhas da bateria do mestre Biscuit.
No enredo executado pelo carnavalesco Sílvio de Oliveira, o primeiro carro levou a águia num voo baixo, cercada de crianças. A alegoria foi uma homenagem a enredos memoráveis da escola. A segunda contou com grandes caveiras nas laterais do carro em tons escuros. A última alegoria, em tons de amarelo e dourado, teve uma performance entre os componentes como destaque – eles desapareciam atrás de portas giratórias, enquanto outros componentes sugiam com fantasias diferentes.
O desfile teve alas coreografadas e componentes visivelmente emocionados pela apresentação da escola, cantando o samba.
União da Vila do IAPI
Além de ter a vida contada no enredo da União da Vila do IAPI, Eduardo Natalício, 36 anos, ajudou a empurrar alegoria, participou da Descida da Borges, da Muamba, da rotina do barracão da escola.
À 1h40min, a locomotiva da IAPI começou sua apresentação com alegorias criativas e bem acabadas, bem como as fantasias – com destaque para as baianas, de Nossa Senhora Aparecida – do tema que misturou a cultura e a paisagem nordestina – Natalício é de Pernambuco, mas vive há 13 anos em Porto Alegre. O primeiro carro trouxe referências do folclore do Nordeste, um galo gigante, articulado, os cordeis, as carrancas, a locomotiva, passando pelas lembranças da praia, no segundo carro, e, na terceira alegoria, a gastronomia com a participação dos profissionais do Senac. O chef Mamanou Sènne, que foi professor de Natalício, desfilou pela segunda vez no Carnaval de Porto Alegre. O último carro, no qual o homenageado desfilou, representava um grande boteco.
O fato de a escola levar propagandas para sua apresentação foi uma novidade neste Carnaval. A publicidade, conforme a Liespa, é permitida e foi autorizada.
Estado Maior da Restinga
Um aroma de cachaça se espalhou no ar do Porto Seco, por volta das 2h55min, quando a Estado Maior da Restinga ingressou na Avenida. Com o samba Da Nossa Cana Doce Sai a Pinga Minha Gente!E a Tinga Faz a Festa com Nosso Ouro Aguardente, a escola do bairro do extremo sul da Capital apresentou a história da cachaça.
O abre-alas despertou a atenção das arquibancadas pelo comprimento – 25,5 metros, um dos maiores já produzidos pela Tinga – e pela proposta: o Cisne, símbolo da agremiação, conduziu pela avenida a carcaça de um grande navio negreiro com cerca de 50 componentes. O cheiro da bebida ficou ainda mais presente quando a segunda alegoria cruzou a linha da entrada. Era dela que vinha o "bafo" de cachaça que saía feito fumaça da boca do personagem do carro alegórico.
Como nos anos anteriores, a bateria comandada por Mestre Guto deu um show à parte. As paradinhas estratégicas levantaram os foliões. Apesar do destaque, o time mais afinado da Tinga poderá trazer problemas à escola porque os integrantes da bateria não estavam fantasiados. Todos ingressaram no Porto Seco vestindo o traje de apresentação em shows, o que pode prejudicar a pontuação final da escola.
Imperadores do Samba
Alegorias e fantasias com acabamentos impecáveis fizeram do desfile da Imperadores um dos mais equilibrados da noite, e deixaram a escola entre as favoritas ao título de 2017. Com o enredo Sou Resistência e Não me Kahlo. Frida. Sou México em Flores, Cores e Amor: Diva entre Imperadores, a agremiação apresentou já na comissão de frente a pintora mexicana Frida Kahlo.
Ainda no aquece, as arquibancadas se ergueram nos primeiros acordes da bateria vermelho e branco. A história de Frida foi contada da infância ao reconhecimento como pintora, sempre com diferentes elementos que remetiam ao México – como a Virgem de Guadalupe e a Casa Azul, onde hoje é o Museu Frida Kahlo.
Quando o abre-alas dourado, representando a civilização asteca – dos ancestrais da pintora – entrou na avenida, aplausos entusiasmados surgiram para a obra. A escola ainda fez referência à revolução mexicana e ao governo ditatorial, combatido por Frida. O mais colorido dos carros foi o terceiro, que representou a casa e o ateliê de Frida.
O único problema enfrentado pela agremiação foi que, ao longo do trajeto, espaços ficaram vazios e comprometeram a evolução de toda a escola.
Imperatriz Dona Leopoldina
Ver a filha Evelyn Serpa Piovessani, sete anos, sambando à frente dos ritmistas da Bateria Laranja Mecânica fez Claudecir Piovessani chorar sem parar durante todo o desfile da Imperatriz Dona Leopoldina, a sexta escola a ingressar no Porto Seco. Viúvo da madrinha de bateria da escola, Paola Serpa Severo, que em fevereiro deste ano foi assassinada aos 33 anos numa tentativa de assalto em Cachoeirinha, Cau, como é conhecido, recebeu a proposta de liberar Evelyn para prestar a homenagem à mãe.
Das frisas e arquibancadas, muitos choraram ao ver a menina dando os primeiros passos ao lado da bateria, que estava caracterizada de guerreiros do africanismo e fez paradinhas ao longo do desfile.
– Minha mulher deve estar orgulhosa da nossa filha. A Evelyn gosta de samba, igual à mãe. Não tem sido fácil, mas estamos vivendo um dia de cada vez. Ela sempre teve a mãe como inspiração nos passos e nos gestos. Trazê-la a este desfile é como cumprir a missão que seria dada à Paola. Mas não é fácil estar aqui – contou Cau, enquanto enxugava as lágrimas.
Apesar de ser a atual campeã, a Dona Leopoldina teve problemas nos acabamentos das alegorias e das fantasias – o abre-alas, por exemplo, que representava a partida do navio negreiro, tinha restos de tinta espalhados em quantidade por todo o carro. Outro fator que poderá pesar na nota final foi a evolução – espaços vazios se formaram entre as alas e as alegorias ao longo de todo o desfile.
Acadêmicos de Gravataí
A alegria e o colorido de Chacrinha tomaram conta da avenida durante a apresentação da Acadêmicos de Gravataí que começou pouco depois das 6h30min, quando o dia começava a clarear. Com o enredo que homenageava o velho guerreiro, a escola trouxe fantasias caprichadas e a animação dos integrantes, que, apesar do horário, demonstravam empolgação desde a concentração.
Fábio Verçoza, 52 anos, que foi rei momo da Capital por uma década, veio na última alegoria interpretando o velho guerreiro:
– O Carnaval não sai de mim e sou apaixonado pelo Chacrinha. Gosto de comunicação e da linguagem popular que ele usava para se comunicar.
A alegria que trouxe Fábio como destaque representava o cassino do Chacrinha, que também contou com a participação da ex-chacrete Mirian Cassino. Ao longo da apresentação, a escola lembrou do Vasco da Gama, time do coração do apresentador, e do troféu abacaxi, que apareceu na ala do exército, uma referência à ditadura militar que tantas vezes tentou censurar o apresentador.
Império da Zona Norte
Fechando o Carnaval da Capital, a Império da Zona Norte, com o enredo Império em Procissão, começou seu desfile pouco antes das 8h deste domingo exaltando a presença do público que persistia nas arquibancadas.
O carro abre-alas deu destaque a Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, e a elementos sacros da tradição cristã. Nossa Senhora dos Navegantes foi a grande homenageada da segunda alegoria, com referências ao período de navegações dos portugueses e espanhóis.
A primeira ala fez referência à fé de pessoas simples mas também se apresentou como uma forma de protesto: os fiéis carregavam cartazes que pediam respeito e valorização ao Carnaval e à cultura que a festa representa. Um dos principais destaques ficou por conta da ala das baianas que, com o figurino colorido, representou o sincretismo – a fusão de diferentes doutrinas religiosas –, exaltando a harmonia da fé no altar ou no terreiro, independentemente da sua origem.