Disposto a lutar pelos direitos das mulheres, um grupo ocupa há quase três meses o prédio onde antes funcionou o Lar Dom Bosco, da Congregação dos Irmãos Salesianos, no Centro de Porto Alegre. A justificativa para a ocupação identificada como Mulheres Mirabal está na falta de serviços públicos direcionados para mulheres vítimas de violência doméstica ou em situação de vulnerabilidade. Hoje, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, Porto Alegre oferece 14 vagas de abrigagem, que são apenas utilizadas por quem está sob ameaça de morte.
– A Casa de Referência Mulheres Mirabal surgiu a partir de uma ação direta do Movimento de Mulheres Olga Benário para ocupar um prédio que estava há anos abandonado. Viemos para fortalecer esta rede de enfrentamento e de acolhida às vítimas – explica a nutricionista Priscila Voigt, 25 anos, integrante da coordenação estadual do Movimento.
A partir da ocupação do imóvel de três andares, o grupo passou a divulgar o trabalho nas redes sociais e nas ruas. Em poucos dias, o trabalho desenvolvido voluntariamente por psicólogas, assistentes sociais, advogadas e profissionais da área da saúde passou a ser reconhecido por entidades sociais e pelo próprio poder público.
Mulheres em situação de risco começaram a ser encaminhadas pela ong Themis – Gênero e Justiça, que apoia a ocupação, pela Delegacia da Mulher e pela Defensoria Pública do Estado. Por uma questão de segurança, o Movimento não revela a quantidade de mulheres que estão acolhidas no local.
Em carta aberta, a Themis afirma que a ocupação é “um espaço já constituído”. Para a ong, a Mirabal não pode “ser impedida de dar continuidade aos seus trabalhos”.
– Nossa estrutura de acolhimento em albergues ainda está longe de suprir a demanda. O serviço se torna essencial – reconhece a assistente social e integrante da diretoria da Themis, Maria Guaneci de Ávila.
Prefeitura busca solução
Com regras de convivências estabelecidas – como horários de entrada e saída do prédio – e a intenção de dar a primeira acolhida a mulheres que precisam de ajuda para se livrarem do agressor, o grupo também passou a ter apoio da própria secretária municipal de Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Záchia Paludo.
Na semana passada, Maria de Fátima visitou o prédio e reuniu-se com o movimento. A promessa é de que a prefeitura encontre uma solução para que o trabalho pretendido pela ocupação possa ser desenvolvido no prédio ou em outra área da cidade.
– O trabalho delas é espetacular, pois estão atuando no vácuo deixado pelo Estado. E esta legitimação aparece quando os próprios órgãos responsáveis encaminham mulheres para serem acolhidas pela ocupação. Precisamos encontrar uma solução e apoiar esta causa – reconhece a secretária.
Situação do imóvel está na Justiça
Apesar da intenção positiva da ocupação, o Movimento enfrenta na Justiça a Congregação dos Irmãos Salesianos, proprietária do imóvel. Uma liminar de reintegração de posse está suspensa. Para a defensora pública Luciana Artus Schneider, do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia, que acompanha o caso, a proposta de utilização do prédio precisa ser analisada com seriedade.
– Se não for possível se fazer convênio entre a prefeitura e o proprietário do imóvel, talvez um outro local onde se possa se desenvolver o trabalho em parceria – sugere.
Reconhecendo a importância da iniciativa, o Núcleo da Mulher da Defensoria Pública do Estado escreveu uma carta apoiando o trabalho desenvolvido pela ocupação.
– Os órgãos responsáveis estão de mãos atadas. A proposta deste movimento é muito séria – ressalta a defensora pública Luciana.
Procurado pela reportagem, o proprietário do imóvel não se manifestou.
Quem foram as Mirabal
Patria, Minerva e Antonia María Teresa Mirabal eram irmãs que viviam na República Dominicana e que foram assassinadas por se oporem à ditadura de Rafael Leónidas Trujillo. Conhecidas como irmãs Mirabal, formaram um grupo de oposição conhecido como Las Mariposas.
As três foram presas e torturadas, mas continuaram lutando. Em 25 de novembro de 1960, ao comando de Trujillo, foram interceptadas quando seguiam para visitar os maridos na prisão, sendo estranguladas e apunhaladas até a morte. As mortes causaram comoção na República Dominicana, levando o povo a se levantar contra o regime de Trujillo, que acabou assassinado em maio de 1961.
Em 1999, a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que 25 de novembro é o Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher, em homenagem ao sacrifício de Las Mariposas.
PARA AJUDAR
* A Ocupação Mulheres Mirabal aceita doações de alimentos, de colchões, de roupas de cama e de materiais de higiene.
* Contatos pelo WhatsApp 98260-3869.