* Professor emérito de Ciência Política na Universidade de Brasília, autor de Os Partidos Políticos no Brasil (Editora UnB, 1981)
No mês passado, o TSE reconheceu oficialmente três novos partidos políticos - o Partido Novo, a Rede Sustentabilidade e o Partido da Mulher Brasileira. Assim, o Brasil tem 35 partidos registrados oficialmente na Justiça Eleitoral. Ao mesmo tempo, negou reconhecimento ao "novo" Partido Liberal, ressuscitado pelo Ministro das Cidades, Gilberto Kassab (PSD-SP). Em 2011, Kassab havia obtido registro para o PSD, que atraiu vários políticos experientes, inclusive quase metade dos deputados do DEM (ex-PFL), e elegeu cerca de 400 prefeitos em 2012. Nesta nova tentativa, Kassab tentou criar mais um partido para angariar deputados "deslocados" da coalizão de apoio do governo Dilma.
Por que o Brasil tem tantos partidos políticos, com 23 destes representados no Congresso Nacional? Em parte, alguns partidos nascem por razões políticas, como no caso do PSD, ou o PROS. Este último foi criado pelos irmãos Gomes (Ciro e Cid) em 2013, para que ambos pudessem sair do PSB, e assim não apoiar a candidatura do governador Eduardo Campos (PSB-PE), "segurando" o Estado do Ceará - onde Cid Gomes era governador - na coalizão de suporte à reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. Esta articulação valeu o Ministério da Educação no governo Dilma 2.0 - alocado para Cid Gomes.
A maioria desses 35 partidos tem "dono" - um líder que quer organizar seu próprio espaço político independente de um partido maior. Outros foram organizados em razão de critérios regionais. Temos casos de "rachas" em que dissidentes saíram de um partido por razões ideológicas - como o PSTU deixou o PT, ou como um grupo, não aceitando a transformação do PCB em PPS, ressuscitou a sigla original mais tarde.
Com a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral, em janeiro de 1985, logo depois a Frente Liberal, grupo dissidente dentro do partido do governo militar (PDS), saiu para organizar o PFL, que chegou a ser o maior partido na Câmara dos Deputados por algum tempo (105 deputados entre 1997 e 1998). Hoje, seu sucessor (DEM) está reduzido a um partido "médio-pequeno", com 21 deputados. Em 1988, um grupo de "progressistas" descontentes com a atuação do chamado Centrão, durante a Constituinte, saiu do PMDB para organizar o PSDB. Quando um grupo de parlamentares petistas se rebelou contra a Reforma da Previdência, em 2003, foi expulso do PT em 2004 e organizou o PSOL.
Alguns poucos partidos são mais "históricos". Por exemplo, o PPS traça suas origens pelo PCB até a organização do mesmo em 1922. O PSB foi organizado inicialmente em 1950, durante o período democrático (1946 - 1964). O PTB original foi estruturado por Getúlio Vargas em 1945. O PMDB originou-se como MDB em 1966, em oposição ao governo militar. O atual PP tem sua origem na Arena organizada pelo governo militar também em 1966.
Desde a redemocratização, em 1985, nenhum governo conseguiu a tão desejada "governabilidade" sem incluir o PMDB na sua coalizão de governo. O presidente Fernando Collor (1990 - 1992) pagou o preço alto do impeachment por não ter organizado uma coalizão majoritária com o PMDB. Nos três últimos governos (FHC, Lula e Dilma) houve uma polarização PSDB x PT, com o PMDB servindo como "fiel da balança". Porém, nem PSDB/PMDB nem PT/PMDB constituíram maiorias efetivas no Congresso e, para operar um "presidencialismo de coalizão", precisavam de mais oito, nove ou 10 outros partidos menores para alcançar quóruns constitucionais (60%).
Há duas correntes de opinião sobre o número "eficaz" de partidos políticos necessário para operar o sistema político no Brasil. Um grupo que valoriza a "governabilidade" argumenta que ter mais de 20 partidos no Congresso reduz as possibilidades de efetiva governança, que oito ou nove agremiações poderiam muito bem representar todas as correntes de opinião no país. O outro grupo valoriza a "representatividade": quanto mais partidos no Congresso, melhor para representar todas as correntes de opinião.
Em termos de uma "reforma política" no Brasil, duas medidas poderiam reduzir o número de partidos no Congresso: 1) proibir coligações eleitorais para deputado; e 2) implantar uma cláusula de barreira (ou de desempenho) de 2%, 3% ou 5%. O partido que não alcançasse 5% dos votos válidos em nível nacional não elegeria ninguém. Uma barreira de 5% foi usada em 2006, quando 21 partidos elegeram pelo menos um deputado federal. Sete deles alcançaram os 5%, mas outros sete sequer receberam 1% dos votos válidos. Com razão, o STF declarou esta barreira inconstitucional, porque previa que os deputados de partidos que não obtiveram 5% poderiam tomar posse, mas como "parlamentares de segunda classe" - sem ter lideranças e sem poder participar de comissões.
No Brasil, usamos a representação proporcional (RP) para eleger deputados, mas, diferentemente da grande maioria dos países que a usam, o Brasil usa a variante de "lista aberta", em que o eleitor é induzido a votar em um candidato nominal, e não na lista partidária. E ainda: o Brasil permite coligações eleitorais, mas sem sublistas (ou sublegendas). É uma combinação que favorece os pequenos partidos, que sozinhos nunca elegeriam um deputado. E os grandes não têm interesse em mudar o sistema porque formam coligações com os pequenos e médios para garantir mais tempo de propaganda no horário eleitoral.