Passadas quase três décadas desde que começou a ser discutida, a revitalização do Cais do Porto, em Porto Alegre, chega nesta sexta-feira a uma nova etapa ainda sob controvérsia.
A partir das 19h, uma audiência pública vai apresentar à população detalhes do empreendimento, que inclui recuperação dos armazéns históricos, construção de shopping e torres comerciais. Enquanto os defensores do projeto esperam dar mais um passo rumo à liberação das obras, críticos do modelo atual esperam fazê-lo naufragar.
A audiência pública, na qual será discutido o relatório ambiental (EIA-Rima) da iniciativa, é uma das etapas obrigatórias no processo de licenciamento e permite a manifestação de qualquer cidadão. O consórcio Cais Mauá, que venceu a licitação para revitalizar o cais em 2010, pretende utilizar dados econômicos e imagens ilustrativas para consolidar o apoio popular à iniciativa - como a geração anual de R$ 216 milhões em tributos e a criação de 19 mil empregos. Nos últimos cinco anos, o plano de resgate da área navegou por um longo caminho burocrático (veja linha do tempo abaixo).
- Estamos fazendo tudo com transparência e legalidade. O EIA-Rima demorou três anos porque foi feito de forma minuciosa e passou por todas as secretarias. Faz parte da democracia alguém não gostar do projeto, mas dizer que há alguma irregularidade é desinformação - sustenta o diretor de operações da Cais Mauá, Sérgio Lima.
Integrantes do grupo Cais Mauá de Todos pretendem utilizar a audiência para defender a anulação do atual contrato e o recomeço do processo de licitação. Quinta-feira pela manhã, o grupo convocou uma entrevista coletiva em que defendeu uma nova proposta para a área, com menos exploração comercial e imobiliária e mais discussão popular (veja quadro abaixo).
- O modelo atual não foi criado com objetivo de revitalização, mas de especulação imobiliária sob uma lógica de consumo e elitização. Porto Alegre não precisa de um shopping na orla - argumenta o sociólogo João Volino.
A reunião será realizada no Grêmio Náutico União, na Rua Quintino Bocaiúva, 500, Moinhos de Vento.
PONTOS POLÊMICOS
Confira alguns dos temas que devem ser discutidos durante a audiência
Exploração econômica
- O que dizem os críticos:
Consideram excessiva a exploração imobiliária e comercial do cais, mediante a construção de um shopping e de torres comerciais. O foco deveria ser em pequenos negócios, bares e restaurantes no espaço dos armazéns.
- O que diz a Cais Mauá:
A revitalização do cais traz um investimento privado de R$ 500 milhões. Por isso, é preciso criar um modelo de negócio que atraia investidores. Sustenta que a exploração comercial é apenas parte do projeto, que prevê lazer e cultura.
Rebaixamento da Mauá
- O que dizem os críticos:
Um dos atrativos do projeto original de revitalização do cais era o rebaixamento da Avenida Mauá próximo à Praça Brigadeiro Sampaio, o que conectaria a cidade à orla e ampliaria a área verde na região. A alteração do projeto deveria levar a uma nova licitação, segundo o grupo Cais Mauá de Todos.
- O que diz a Cais Mauá:
Segundo a empresa, o custo elevado da obra dificultaria a viabilidade do projeto de revitalização. Em razão disso, o consórcio entrou em acordo com a prefeitura para que esse item fosse desconsiderado na elaboração do projeto.
Questões legais
- O que dizem os críticos:
O grupo Cais Mauá de Todos acredita que o contrato atual para revitalização do cais é inválido por conter irregularidades como o atraso da empresa para apresentar o projeto, falta de demonstração de capacidade financeira e desrespeito a normas como o Plano Diretor.
- O que diz a Cais Mauá:
O projeto tramitou por todas as secretarias devidas, é acompanhado pelos órgãos de fiscalização, e o contrato está em plena vigência. O patrimônio total dos acionistas diretos e indiretos seria de R$ 3,3 bilhões, e o Fundo de Investimento em Participações Cais Mauá do Brasil tem R$ 91,4 milhões de patrimônio líquido de acordo com o balanço de 2014.
Elitização da orla
- O que dizem os críticos:
O projeto privilegia o acesso via automóvel, já que prevê mais de 4 mil vagas de estacionamento, e levará a um processo de elitização dos frequentadores pelo caráter comercial do empreendimento.
- O que diz a Cais Mauá:
Argumenta que, dos 181 mil m² de área arrendada, 93 mil m² serão de livre acesso para lazer da população. O projeto prevê, ainda, a entrega de 10 praças e uma área de circulação junto à orla com 3,2 km de extensão.
Suspeita sobre acionista
- O que dizem os críticos:
Sustentam que uma das empresas que formam o consórcio do Cais Mauá, a NGS, é investigada pela Polícia Federal por suspeita de crime financeiro.
- O que diz a NGS:
A empresa sustenta que "a investigação da Polícia Federal com relação à NSG foi arquivada por falta de materialidade das acusações e não houve um indiciado sequer".
Corte de vegetação
- O que dizem os críticos:
Está prevista a remoção de 330 árvores para dar lugar ao empreendimento. O projeto poderia apresentar menos impacto ambiental se se resumisse à reforma dos armazéns.
- O que diz a Cais Mauá:
Cerca de 80% das árvores a serem removidas são exóticas, ou seja, espécies não nativas do Rio Grande do Sul. Como compensação ambiental, serão fornecidas 769 mudas de árvores nativas.
ANDAMENTO DO PROJETO
O que já foi feito
2010
Julho
O governo do Estado lança edital para escolher a empresa que irá reformular o cais. Vence o Porto Cais Mauá, de espanhóis e brasileiros.
Dezembro
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) contesta na Justiça a licitação, alegando que a regulação é federal, e não estadual. Apesar do impasse com a Antaq, a então governadora Yeda Crusius (PSDB) assina contrato de 25 anos com o consórcio vencedor.
2011
Janeiro
O novo governador, Tarso Genro (PT), decide dar continuidade ao projeto e negocia solução com a Antaq.
Agosto
Em acordo com a Antaq, o governo prevê retirada da ação judicial quando o Piratini assinar um aditivo ao contrato.
9 de novembro
O governo e o consórcio assinam aditivo ao contrato firmado havia um ano.
23 de novembro
A posse da área é entregue pelo Estado ao consórcio Porto Cais Mauá. Início das obras é previsto para março de 2012.
2012
Janeiro
Começo das obras é adiado para agosto, o que também não se confirma.
2013
Abril
Representantes do consórcio entregam a Fortunati o projeto de restauração.
17 de junho
A revitalização é autorizada.
21 de outubro
A autorização da Antaq é publicada no Diário Oficial da União, o que libera oficialmente o início das obras.
12 de novembro
O início das obras é anunciado em uma cerimônia no local.
2014
Janeiro
Estruturas não tombadas se encontram em processo de demolição.
2015
Fevereiro
Andamento das obras aguarda liberação de licenças para fases seguintes.
Setembro
Audiência pública discute o relatório ambiental do projeto - etapa necessária para a obtenção das licenças definitivas antes das obras de reforma
O que falta fazer
Estima-se que ainda serão necessários cerca de seis meses de tramitação das licenças até o início das obras. Depois disso, cerca de 24 meses até a entrega dos armazéns:
Realização da audiência pública
Parecer final da Smam sobre o EIA-Rima - levantamento sobre os eventuais impactos ambientais do empreendimento
Aprovação do Projeto Legal, que é o projeto de arquitetura detalhando como será o empreendimento
Aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) - levantamento sobre eventuais impactos urbanos de Empreendimentos de grande porte
Emissão da Licença Prévia, que permite a continuidade dos trâmites de liberação do projeto, mas ainda não autoriza a realização da obra
Emissão da Licença Instalação, que autoriza o início das obras