* Paulo Gleich é jornalista e psicanalista. Escreve mensalmente.
Getúlio Vargas, Gandhi, Hitler e Martin Luther King, mesmo tão distintos, têm algo em comum: foram grandes líderes. São abundantes na História (e na história de cada um) exemplos de sujeitos com essa capacidade de aglutinar pessoas em torno de si e de uma causa, assim como dos efeitos dessa influência sobre os outros. Bons líderes podem ajudar a conduzir ao crescimento ou a mudanças sociais importantes; já maus líderes se utilizam dessa capacidade para fins puramente egoístas, quando não perversos ou delirantes, como nas seitas fechadas e nos totalitarismos.
Em seu estudo sobre a psicologia dos grupos, Freud não se interessou tanto pelos líderes, mas sim por aqueles que os seguiam. Intrigava-lhe especialmente por que, nos fenômenos de massa, as pessoas abriam mão de suas individualidades - portanto, do pensamento crítico - para se portarem como ovelhas em um rebanho. Sua hipótese era de que o líder (em alemão, Führer) encarna, para seus seguidores, uma imagem idealizada deles mesmos, aquilo que gostariam de ser. Haveria um resto infantil nessa relação com o líder, que reproduziria a idealização que outrora se tivera para com os pais.
Quando demonstramos admiração por alguém dizendo "quero ser fulano quando crescer", mostramos como não adultecemos totalmente. Seguimos precisando de identificações e ideais, ainda que não com a mesma premência e intensidade da infância e da adolescência. A descoberta trágica da vida adulta é que ela não é o que havíamos idealizado quando crianças; seguimos sendo um tanto carentes, inseguros, dependentes. Ser adulto é saber lidar com essa frustração e abrir mão de precisar que alguém encarne um ideal absoluto. Mas essa conquista não é dada a ninguém só por se chegar à idade adulta, e sua permanência não é garantida. Podemos reviver o desamparo infantil ao lidar com uma situação difícil, como um contexto conturbado ou a perda de alguém importante. Nesses momentos, muitos acabam optando por depositar a responsabilidade nas mãos de outro que aparente ter as respostas.
Fazer parte do grupo conduzido pela mão firme do líder traz uma sensação de força e segurança a quem se sente fragilizado. Não apenas porque há alguém que conduz e diz ter as respostas, mas também porque a presença dos demais seguidores, que aparentemente estão "na mesma", reforçam essa identificação. Por isso, populações em crise são mais suscetíveis aos totalitarismos: estes se erigem e sustentam com o desamparo dos cidadãos. Líderes totalitários sabem bem explorar o medo de seus seguidores para que estes não possam prescindir dele - que é seu maior medo. Mas existem também seguidores totalitários, que escolhem alguém (ou uma ideia) como ideal total, mesmo que este não se apresente assim.
Em períodos turbulentos que convidam ao desamparo, vale lembrar o óbvio: respostas e soluções simples e redondas para problemas complexos podem parecer atraentes, mas são mera fantasia. Se em algum recôndito de nossa alma seguimos acreditando nelas e em seus porta-vozes, é porque não enterramos totalmente a imagem idealizada dos pais, que para tudo pareciam ter resposta. Rezar cartilhas sem refletir sobre o que dizem e quem as dita, assim como deixar-se levar pela imaginária harmonia da massa, pode poupar esforço e apaziguar angústias. Mas sempre traz, também, um risco de acabar sendo ovelha à mercê de lobos em pele de pastor. "Conhece-te a ti mesmo", diz o aforismo grego; isso inclui conhecer também aquilo e aqueles a quem se escolhe seguir.
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