* Astrônomo. Pesquisador senior do CNPq e professor aposentado colaborador do Departamento de Astronomia do IF-UFRGS
Alguma coisa havia de diferente naquele corpo celeste, cuja órbita, elíptica, é mais excêntrica e mais inclinada que a de todos os planetas anteriormente conhecidos. A uma distância umas 35 vezes maior do Sol que a da Terra, completa uma translação em 247,68 e, no seu vagar, periodicamente aproxima-se do Sol mais do que Netuno, uma "invasão do espaço alheio" que não ocorre entre planetas tradicionais. A sua descoberta, em 18 de fevereiro de 1930, fora feita pelo jovem astrônomo americano Clyde Tombaugh, um ano após sua chegada ao observatório Lowell, no Arizona. Uma consulta internacional levou à escolha do nome Plutão para o novo planeta, escolhido entre mais de mil propostas. Este nome foi sugerido por Venetia Burney, à época estudante do primeiro grau em Oxford, Inglaterra, que, com 11 anos, já era interessada em mitologia clássica. A escolha do nome do Deus dos Abismos foi feita pelo pessoal do observatório, porque as duas primeiras letras, "PL", bem como seu símbolo astronômico coincidem com as iniciais de Percival Lowell, excêntrico milionário bostoniano fundador e patrocinador do observatório, que falecera em 1916.
A descoberta de Plutão foi um tanto fortuita e está vinculada à de Netuno, cuja existência fora predita matematicamente pelo francês Leverrier, em 1845, a partir de imperfeições observadas na órbita de Urano. Efeitos residuais destas imperfeições indicariam a presença de um outro corpo celeste "coadjuvando" com Netuno a perturbar Urano. Percival Lowell era astrônomo amador e fundara o observatório em 1894. A partir de 1906, começara a procura frenética daquele terceiro astro, que denominara Planeta-X, cuja posição no céu e massa estimara por cálculos próprios, posteriormente confirmados como errados. Lowell falecera em 1916 sem atingir seu objetivo. Em 1929, o astrônomo Slipher, novo diretor, incumbiu Tombaugh da procura pelo Planeta-X. Plutão, o planeta descoberto, estava longe de ter as características preditas por Lowell.
Desde a descoberta de Plutão, muitos astrônomos especularam que ele devia ser parte de uma nova classe de objetos; entre outros destacam-se F. Leonard, em 1930, G. W. Cameron, em 1962, F. Whipple em 1964. e C. Kowal em 1977. O astrônomo uruguaio Júlio Fernandes propôs, com base em apreciações estatísticas sobre a frequência de cometas, a existência de um cinturão de corpos gelados para além da órbita de Netuno, situados aproximadamente entre 35 e 50 UA. Em 1988, modelos computacionais desenvolvidos pelo grupo canadense liderado por M. Duncan confirmaram que cometas com período menor de 200 anos deviam ter origem no cinturão proposto por Fernandez e chamaram o mesmo de Cinturão de Kuiper, embora se saiba que o astrônomo holandês G. Kuiper, nunca comungou com esta ideia. Diversos planetessimais com diâmetros entre 500 e 1,5 mil km foram descobertos nesta região após 2000: Makemake, Ixion, Haumea, Sedna, 2007 OR10, Quaoar e Orcus , todos com órbitas semelhantes à de Plutão. O astro mais conspícuo nessa região é Eris, descoberto em 2005, com órbita muito elíptica situada entre 97 UA e 37 UA. Ele é maior que Plutão, o que levou muitos especialistas a cogitar que Plutão pertenceria a esta família. Isto resultou em uma forte controvérsia, que justifica o nome escolhido: Eris, a deusa da discórdia. A Assembleia Geral da União Astronômica Internacional (UAI), em 24 de agosto de 2006, na sua resolução 6A, votou majoritariamente para que Plutão passasse a ser considerado um Planeta Anão e protótipo desta nova classe. Eu fui um dos 424 votantes e votei por manter o status de Plutão, como sugerido pela comissão ad hoc composta por astrônomos, historiadores e sociólogos nomeada pela Diretoria da UAI para estudar o problema na sua dimensão científica e na sua projeção social.
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Este era o panorama à época do lançamento da sonda New Horizon (NH), em janeiro de 2006. O projeto começou a ser elaborado em 1990 e esteve ameaçado de não ser financiado pela NASA, até que em 2003 a National Academy of Science declarou o estudo de Plutão de máxima prioridade.
A NH não vai orbitar Plutão, mas simplesmente vai passar por ele a estonteantes 14 km/seg. Embora tenha já desenvolvido tarefas ao longo de 2015, o núcleo da missão está concentrado nas 48 horas em torno da máxima aproximação. Seis instrumentos vão estudar a composição, pressão e temperatura da atmosfera e o mapa térmico e geológico da superfície - além de composição, densidade e energia dos íons que escapem do planeta. Os dados obtidos durante este período levarão 18 meses para serem transmitidos à Terra, através dos 5 bilhões de km que nos separam.
Para Alan Stern, investigador principal do projeto, os 26 anos de trabalho duro dedicados ao mesmo se sintetizam assim "Você deve querer realmente desenvolvê-lo e estar preparado para lutar pela sua concretização. Há muito mais ideias boas do que dinheiro para bancá-las".
Termino de escrever esta matéria faltando 4D:10H:53M para a NH atingir a máxima aproximação a Plutão.
Fazemos votos para que esta empreitada seja coroada pelo mais rotundo êxito.