Eles dividem bem mais do que alegrias, dissabores e contas a pagar. Compartilham o silêncio criativo, a leitura de originais e, muitas vezes, os episódios que se transformam em inspiração.
Os casais de escritores Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti e Luiz Paulo Faccioli e Cíntia Moscovich têm uma rotina de cumplicidade literária e costumam ser, cada um, o primeiro par de olhos a avaliar a obra do companheiro.
Juntos há 42 anos, Affonso e Marina já tentaram trabalhar ocupando o mesmo cômodo, mas os ruídos produzidos por duas pessoas em busca de calmaria provaram ser dispersivos demais. No terraço de um duplex em Ipanema, no Rio, decidiram adaptar espaços separados para seus escritórios. Hoje, da janela, ela enxerga o mar, enquanto o olhar dele alcança o Leblon, a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Pedra da Gávea. Os autores cobrem, com suas trajetórias, uma extensa relação de temas e formatos ao produzir literatura: ele é cronista, ensaísta e poeta; ela faz traduções, ensaios, contos, crônicas, poesias, narrativas longas. Conceberam em dupla Agosto 1991: Estávamos em Moscou, com o relato sobre a viagem à antiga União Soviética que coincidiu com o fim do comunismo.
- Nunca brigamos por trabalho. A leitura dele é muito proveitosa. Ele palpita pouco, não desmonta. Nem eu. E os títulos são sempre discutidos em parceria - conta Marina.
- A gente conversa sobre literatura o tempo todo. É insuportável - brinca Affonso.
Em um casarão do Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Luiz Paulo prefere escrever à tarde e se refugia num gabinete no segundo andar. Cíntia, no térreo, absorve mais a interferência do cotidiano doméstico, fracionando sua atenção entre os sons que vêm do pátio, da rua e dos bichos, e tem produzido melhor de madrugada.
- Não comento nada com ninguém. Nem ele sabe o que estou escrevendo. Se eu comentar, parece que vai ser aquilo e não vou poder mudar - diz Cíntia, que no sábado (3/11) autografou Essa Coisa Brilhante que É a Chuva.
Luiz Paulo também não mostra nada pela metade. Ao finalizar uma primeira versão, busca as impressões da parceira de quase 30 anos.
- Ela opina, dá sugestão, é uma excelente leitora. Faz aquilo que a gente quer que o primeiro leitor faça: vai lá furungar o detalhe, lê procurando os problemas - descreve o marido.
Amor às letras
Casais de escritores contam como é a rotina de seu processo de criação
Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti, de um lado, e Luiz Paulo Faccioli e Cíntia Moscovich, de outro, falam sobre cumplicidade literária
Larissa Roso
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