Diante da suspeita de omissão de informações no acordo de delação premiada do tenente-coronel do Exército Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, os benefícios que ele recebeu poderão ser revogados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Alexandre de Moraes marcou um depoimento para esta quinta-feira (21), ocasião em que deve confrontá-lo sobre novas descobertas da Polícia Federal (PF) sobre o plano de um golpe de Estado em 2022. Especialistas disseram à coluna que a eventual rescisão do acordo não invalida as provas já obtidas com a colaboração.
Nos depoimentos à PF, Cid negou conhecimento sobre a existência de um plano estruturado para romper com o regime democrático no país. Contudo, a partir da restauração de mensagens trocadas entre ele e outros militares, os investigadores encontraram indícios de que o ex-ajudante de ordens participou do planejamento de atos que impediriam o presidente Lula de assumir a presidência da República.
Advogado criminalista e professor de Direito Penal, Marcelo Peruchin explica que a omissão de fatos relevantes de parte do colaborador pode ser causa da revogação dos benefícios da delação. Uma vez revogado o acordo, as provas produzidas não se tornam imprestáveis.
— A única ressalva legal é a restrição de que (as provas) possam incriminar o ex-delator exclusivamente. Porém, havendo outras provas mesmo contra ele, a condenação ainda se torna possível — pontua.
O entendimento sobre a validade é corroborado por Douglas Fischer, procurador regional da República e professor de Direito. Ele frisa que as omissões dolosas (intencionais) podem ser causa de revogação e, assim como já visto em outros processos recentes da Justiça brasileira, as provas obtidas a partir da colaboração poderão ser utilizadas.
— O acordo tem uma fase de negociação. Depois que ele é homologado, começa-se a produzir as provas. Até a homologação, o colaborador pode desistir e nada do que for dito pode ser utilizado depois. Depois da homologação do acordo, todas as provas produzidas são válidas e podem ser utilizadas — complementa.
Não é a primeira vez que o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro corre risco de perder os benefícios de sua delação. Em março deste ano, ele foi preso pela segunda vez após conceder uma entrevista em que criticou a condução do acordo pela PF, além de dizer que foi pressionado a confirmar a “narrativa” dos investigadores.
Dois meses depois, Moraes determinou a soltura diante de novos depoimentos de Cid, em que ele recuou sobre as acusações de coação pela PF, confirmou todo o teor da colaboração e justificou que havia feito apenas um "desabafo" na imprensa.
No ano passado, o tenente-coronel ficou preso por quatro meses, após uma operação sobre fraudes nos certificados de vacinação contra a covid-19 de Bolsonaro e pessoas do seu entorno. Ele deixou a cadeia após fechar o acordo de delação.
Caso Moraes entenda que houve omissão intencional de informações, além da retirada de benefícios, ele poderá determinar o retorno imediato de Cid à prisão.