Está em curso uma inflexão no discurso público do governador Eduardo Leite. O tom conciliador e pragmático que marcou sua atuação nos últimos anos cede espaço a uma postura mais enérgica e combativa, sobretudo nas cobranças ao governo federal. O movimento reflete uma guinada na política de comunicação do Piratini.
A mudança de comportamento se tornou visível na cerimônia de posse da nova direção da Federação das Indústrias (Fiergs), há duas semanas. Em um pronunciamento de 10 minutos, Leite elevou a voz para exigir renegociação da dívida com a União, afirmando que o Rio Grande do Sul não dispõe de instrumentos de fomento como benefícios fiscais concedidos à Zona Franca de Manaus nem fundos bilionários repassados ao Norte e Nordeste.
— Se não vão nos dar aquilo que dão às outras regiões, parem de nos tirar o que é nosso — bradou Leite, surpreendendo a plateia que aplaudiu efusivamente.
O conteúdo foi compartilhado nas redes sociais do governador, que repetiu o discurso no dia seguinte, em Rio Pardo, em evento do movimento SOS Agro, capitaneado por entidades do agronegócio que reivindicam recursos federais para recompor perdas da enchente. Até então, o governador mantinha uma relação amistosa com o Palácio do Planalto, com sucessivas mesuras ao ministro da Reconstrução, Paulo Pimenta.
Durante lançamento do Plano Rio Grande, em junho, Leite quebrou o protocolo e interrompeu sua própria fala para ceder o microfone a Pimenta. Embora já houvesse sinais explícitos de ruídos na relação, Leite fez questão de destacar a busca por conciliação.
— Quem apostar na divergência vai perder — afirmou às dezenas de autoridades que lotavam o Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini.
Uma semana antes, o tucano havia demonstrado irritação com o governo federal. Ele estava a caminho de Brasília, em 5 de junho, quando ficou sabendo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viria ao Estado no dia seguinte. Na capital federal, Leite teve canceladas de última hora as reuniões que havia marcado nos ministérios da Fazenda e do Trabalho e não conseguiu falar a sós com Lula.
No dia seguinte, voltou ao RS de carona no avião presidencial, mas, embora tenha permanecido ao lado de Lula durante as duas horas e meia de viagem, não foi informado de que uma de suas demandas — a criação de um auxílio para evitar demissões na iniciativa privada — seria anunciada durante a visita.
Nos bastidores, Pimenta tem manifestado surpresa com o teor das críticas. Ele chegou a comparar a postura de Leite com a de um piloto que entra em pânico durante turbulência e, em nota oficial, disse que “o governador deveria estar agindo para ajudar".
Interlocutores do Leite apontam o tratamento recebido na carona com Lula como episódio determinante para dar vazão às insatisfações com a União. Leite ainda levaria um mês para subir o tom das cobranças, mas nesse período começou a ser gestada uma mudança na política de comunicação.
Chamado nos bastidores do palácio de "a mesa", o grupo que conduziu a campanha de Leite à reeleição em 2022 ganhou ainda mais influência nos rumos do governo.
Integrada pelos publicitários Fábio Bernardi, Rafa Bandeira e Adriano Lopes, além do administrador Caio Tomazeli e do chefe da Casa Civil, Artur Lemos, "a mesa", referência ao móvel em torno do qual o grupo tomava decisões, passou a defender a retomada da estratégia que venceu a eleição.
O objetivo é posicionar Leite como um "radical de centro", adotando a persona de um gestor que fala alto na defesa dos interesses do Rio Grande do Sul e mantém distância dos extremos ideológicos à esquerda e à direita que marcaram a política nacional dos últimos anos.
A primeira medida do grupo foi assumir o controle das redes sociais do governador. Na sequência, Leite exonerou, a pedido, a secretária de Comunicação, Tânia Moreira. À frente do cargo desde o início da gestão, em 2019, foi substituída por Tomazeli.
No curto prazo, a ideia é marcar território diante da onipresença no Estado de Pimenta, um representante do Planalto com notória ambição de concorrer ao governo do RS em 2026.
No horizonte, Leite mira a corrida presidencial, quando pretende se viabilizar como alternativa moderada ante uma provável candidatura à reeleição de Lula pela esquerda e do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, pela direita. A disputa de uma vaga no Senado também é avaliada.
Tomazeli nega que haja mudança brusca na postura de Leite e na política de comunicação. Todavia, admite que o governo recupera o discurso da campanha eleitoral, quando o tucano driblou as cobranças por um apoio a Lula ou a Jair Bolsonaro sustentando ser mais importante defender o Estado.
O governador mantém a postura de cooperação, mas reafirmando que o Estado precisa receber o que merece. É como no segundo turno, quando a campanha disse que o Rio Grande fala mais alto. Leite tem posição de centro democrático, mas de firmeza naquilo que acredita. Assim, ele inaugura um caminho para além da polarização.
CAIO TOMAZELI
Novo secretário de Comunicação