A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou nesta quarta-feira (28) sua saída da comissão que busca um acordo sobre o marco temporal.
A mesa de conciliação, convocada pelo Supremo Tribunal Federal, teve audiência nesta quarta, na qual a decisão foi comunicada. A entidade deixou o Supremo acompanhada de demais representantes indígenas sob gritos de "demarcação".
A Apib se retirou da mesa de conciliação porque que esperava a suspensão da lei 14.701/2023, que regulamenta a temporalidade para demarcação de terras indígenas considerando a promulgação da Constituição Federal em 5 de outubro de 1988, em meio ao processo conciliatório, o que não foi deliberado pelo Supremo. A saída da mesa estava em análise pela Apib desde a primeira reunião do colegiado.
— A comunidade internacional assiste com preocupação os ataques indígenas. É inadmissível que os povos indígenas sejam submetidos a um processo de conciliação fora da lei com este nível de pressão, chantagem e humilhação. Não vamos nos submeter a mais uma violência do Estado brasileiro com conciliação forçada. A Apib não encontra ambiente para prosseguir na mesa de conciliação, pois não há garantia de acordo que resguarde a autonomia dos povos indígenas — disse uma representante da Apib em leitura de manifesto da associação.
— A lei está em vigor agora, impedindo que a União promova a demarcação de certos territórios. Não é uma questão superada — afirmou a advogada Eloísa Machado, que representa a Apib.
— Como se vai dar seguimento a uma audiência de conciliação se os povos indígenas não querem que seja feita essa conciliação? Estamos falando sobre uma lei evidentemente inconstitucional que permanece sobre uma mesa de conciliação — questionou e criticou Machado.
A Apib também requeria poder de veto em caso de votação dos encaminhamentos da mesa de conciliação, e não votação por maioria, como prevem as diretrizes do colegiado.
— Alerto para a gravidade da ausência dos povos indígenas aqui e para responsabilidade de fazer conciliação na ausência dos povos indígenas. As normas internacionais demandam presença dos povos indígenas no debate de seus direitos. Não presença decorativa e sim presença com condições — argumentou Machado.
A advogada refutou também a possibilidade de a representação dos povos indígenas ser substituída por outras representações e não pela Apib.
O secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Terena, sugeriu que a mesa de conciliação sobre o marco temporal seja suspensa até a União dialogar com a Apib.
O juiz auxiliar do ministro Gilmar Mendes, Diego Veras, afirmou que a saída da Apib da mesa de conciliação não levará ao esvaziamento do colegiado.
— Não entendemos os motivos reais se mostramos todas garantias asseguradas. A vontade de todos os lados é levada em conta na conciliação e sempre se busca formação de consenso, mas alguns temas podem exigir poder de maioria. A Apib impõe aqui poder de veto, o que não é possível em democracia — alegou Veras.
Segundo Veras, o ministro Gilmar Mendes afirmou que a saída da Articulação do colegiado "não significa que não teremos outros indígenas na comissão".
— Acolhemos tudo o que foi pedido pela Apib na formação da comissão com os cinco integrantes que foram indicados presentes na mesa. Lamentamos a posição da Apib, mas já contávamos que isso poderia ocorrer. Falas políticas não serão aceitas aqui — afirmou o juiz auxiliar após a saída da Apib do colegiado.
Antes da saída dos representantes dos povos indígenas da sala da Segunda Turma do Supremo, o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, fez um apelo por diálogo e pela participação dos povos indígenas na audiência desta quarta-feira (28).
— Tenho plena confiança no Supremo pela condução desse processo. Nós temos um conflito real, uma decisão tomada pelo Supremo e uma decisão tomada pelo poder Legislativo. Meu apelo pelo diálogo é sabendo que há questões fundamentais para os povos indígenas que não temos condições de manejar, mas existem outros tantos temas que temos condição de trabalhar — afirmou.
Messias ainda disse que a participação de todas as lideranças indígenas é essencial para "um correto encaminhamento de pacificação social".
— Poderemos desdobrar soluções dentro dos limites constitucionais. Existem elementos que não são objeto de negociação, vai se falar pouco da própria tese do marco temporal, nós teremos condições de avançar — disse o AGU.
Messias também disse que a mesa de conciliação pode "construir ferramentas de gestão para concepção de políticas públicas" que poderão ser utilizadas pelo Ministério dos Povos Indígenas e pela Funai para assegurar os direitos dos povos originários. Ele exemplificou que podem ser discutidos, por exemplo, limites da responsabilização da União e dos proprietários na desintrusão das terras indígenas.
Antes dele, Diego Veras disse que o marco temporal "é discussão ultrapassada para todos".