O governo do Estado negou que haverá prorrogação de prazo para pagamento de precatórios após credores receberem mensagens de empresas oferecendo serviços e alertando sobre uma suposta proposta do Piratini para estender o período até 2034. Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz), o governo não fornece dados dos contribuintes e segue empenhado em quitar o estoque de precatórios até 2029, como prevê a legislação federal.
Para este ano, foram disponibilizados R$ 2,7 bilhões para o pagamento de precatórios, garantindo quitações no limite operacional. A Sefaz ainda afirma que, "mesmo que houvesse uma eventual mudança de prazo, o Estado mantém a regularidade dos pagamentos e tem evitado o crescimento desse passivo, como ocorreu em períodos anteriores". Conforme a pasta, para o próximo exercício, há previsão de R$ 3 bilhões de recursos estaduais e busca de operação de crédito.
A reportagem de Zero Hora teve acesso a mensagens enviadas a uma credora, que alega nunca ter fornecido o telefone para estas empresas. A jornalista Maíra Carvalho Leite de Miranda contou que tem recebido os contatos pelo WhatsApp, mas quando questiona como conseguiram o número, os números param de responder.
Uma das mensagens, enviada por uma empresa especialista em negociação de precatórios, tenta convencer a credora: "Estou entrando em contato para falar sobre uma oportunidade única que pode não estar disponível por muito tempo. O estado do Rio Grande do Sul está propondo estender o pagamento dos precatórios até 2034, o que significa que você pode ter que esperar ainda mais para receber o que é seu por direito. Vamos conversar sobre uma solução para garantir o seu pagamento o quanto antes?".
Em outra conversa, o remetente, também identificado como sendo de uma empresa especializada, faz uma proposta: "Durante nossas atividades de captação de precatórios, identificamos a existência de um precatório do Estado do Rio Grande do Sul registrado em seu nome que se encontra pendente pelo Estado. Gostaríamos de saber se poderíamos encaminhar a você uma proposta sem compromisso por seu precatório, estamos dispostos a pagar um valor à vista. O que você acha?".
— Tenho recebido um monte de mensagens no meu WhatsApp de empresas de precatórios que estão tendo acesso ao meu celular ilegalmente. Estão, com certeza, tendo acesso à base de informações privadas em desacordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) — reclama Maíra.
A advogada especialista em privacidade e proteção de dados pessoais Laura Uhry Vieira comenta que esse tipo de abordagem tem sido comum. Ela explica que, com acesso ao número do precatório, essas empresas conseguem entrar nos processos e verificar todos os documentos que estão ali, muitas vezes chegando aos contatos.
— Os processos judiciais são públicos, então, salvo se o advogado daquela pessoa colocou um sigilo na identidade, na procuração, aquele documento vai ter acesso público se essa empresa entrar nesse processo — esclarece.
A tecnologia também contribui para esse tipo de vazamento, explica Laura:
— Na prática, a gente sabe que existem sites e softwares que fazem cruzamentos de dados e encontram, literalmente, tudo da vida da pessoa a partir do CPF, inclusive a placa de carro.
Também especialista em privacidade e proteção de dados pessoais, a advogada Ana Vitória Germani D’Avila destaca a forma como essas empresas se beneficiam desses acordos:
— Oferecem um valor muito abaixo do que a pessoa teria direito a receber, por quê? Qual é o ganho da pessoa que vai vender o seu precatório? Ela vai receber o dinheiro na hora. E o que a empresa ganha com isso? Na verdade, ela acabou ganhando um crédito num valor bem alto, ela está pagando por ele um valor bem mais baixo e consegue fazer alguma compensação de imposto estadual com o uso desses precatórios.
As duas especialistas indicam o canal de denúncias da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), no site do governo federal (neste link), como uma alternativa para quem se sentir prejudicado pelo uso das informações.
De acordo com Ana Vitória, dependendo da decisão, a empresa pode sofrer uma sanção, que varia de advertência até multa.
A Secretaria Estadual da Fazenda ressalta que, no âmbito estadual, há a possibilidade de acordos administrativos diretos para receber valores de forma antecipada e com deságio de 40% por meio da Câmara de Conciliação da Procuradoria Geral do Estado (PGE).