Por oito votos a três, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu, em sessão na tarde de terça-feira (25), que porte de maconha para consumo pessoal não é crime. O julgamento sobre o assunto teve início em 2015 e estendeu-se por quase uma década.
A Lei de Drogas, aprovada em 2006, não pune o porte com pena de prisão. Com isso, os ministros declararam que esse não é um delito criminal, mas um ilícito administrativo. Prevaleceu a posição de que a dependência é um problema de saúde pública.
O que isso significa?
Com a decisão, a posse ou o porte de maconha não deixam de ser um ato ilícito, ou seja, contrário à lei. Contudo, a conduta não representa um crime, desde que seja para uso pessoal.
O consumo de maconha não foi legalizado, ou seja, continua proibido na legislação. Com isso, quem porta a substância, mesmo que na condição de usuário, está sujeito a sanções administrativas e socioeducativas, como advertência sobre os efeitos das drogas e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Uma das consequências práticas da decisão é que quem for enquadrado como usuário não terá antecedentes criminais.
De acordo com a decisão dos ministros, a tese de consumo pessoal somente será válida em ambiente privativo. O uso em locais públicos prossegue proibido e está sujeito a sanções penais. Produção, compra, venda e tráfico continuam sendo crimes.
Usuário ou traficante?
Nesta quarta-feira (26), os ministros definiram que a quantidade que diferencia usuários de traficantes é 40 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis. A medida valerá até que o Congresso legisle sobre o assunto.
"Nos termos do parágrafo 2º do art. 28 da Lei 11.343 de 2006 será presumido usuário quem, para uso próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo até 40 gramas quantidade de cannabis sativa ou seis plantas fêmeas, até que o Congresso venha a legislar a respeito", diz trecho da tese aprovada pelos ministros nesta quarta.
Barroso explicou que o limite de 40 gramas é "relativo". Outros elementos podem ser usados para analisar cada caso. Se uma pessoa estiver com uma balança de precisão, por exemplo, ela pode ser enquadrada como traficante, mesmo que tenha consigo uma quantidade de droga abaixo do limite.
As propostas apresentadas foram de 25 a 60 gramas. Os ministros chegaram a um consenso para aprovar a quantidade intermediária, de 40 gramas.
Qual a razão de fixar uma quantidade?
A fixação em uma quantidade para diferenciar usuário de traficante é um parâmetro para tentar garantir um tratamento mais igualitário nas abordagens policiais e nos processos judiciais.
Estudos citados no plenário mostram que negros são condenados como traficantes com quantidades menores do que brancos. O grau de escolaridade também gera distorções nas condenações — a tolerância é maior com os mais escolarizados.
O STF é a favor da maconha?
O relator Gilmar Mendes pediu a palavra antes de a sessão desta terça-feira terminar para destacar que a descriminalização da maconha não se trata de "liberou geral", segundo ele. É sim, conforme destacou, um problema de saúde pública:
— A premissa é de que a droga causa danos e que as pessoas precisam ser tratadas quando são viciadas.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, se manifestou no mesmo sentido:
— É preciso deixar claro: o entendimento desta Corte é que o consumo de drogas é algo ruim e que o papel do Estado é evitar o consumo, combater o tráfico e tratar os dependentes. Estamos apenas debatendo a melhor forma de combater essa epidemia. Droga é ruim, nós a condenamos — declarou Barroso, ao final da sessão.
O presidente do STF pontuou que a decisão deverá indicar a necessidade da destinação de recursos do Fundo Nacional Antidrogas para campanhas informativas esclarecedoras sobre malefícios, a exemplo do que ocorre com o tabaco.
Em sua fala antes de encerrar os debates, Barroso sustentou que a questão das drogas deve ser compreendida também como um problema da saúde pública e defendeu que a distinção de usuários e traficantes contribui para evitar o "hiperencarceramento de jovens pobres e primários".
Na quarta-feira, Barroso voltou a falar sobre o assunto. Destacou que nenhum dos ministros é a favor do uso de drogas e explicou a razão para definirem pela descriminalização e fixarem quantidade:
— Ao fixarmos a quantidade para distinguir usuário de traficante, vamos evitar prisões exarcebadas forneçam mão de obra ao crime organizado. Nenhum dos 11 ministros defende o uso de drogas. Pelo contrário. Estamos debatendo a melhor forma de combater esse problema.
Como votaram os ministros do Supremo?
Posicionaram-se pela descriminalização os ministros:
- Gilmar Mendes
- Luis Roberto Barroso
- Alexandre de Moraes
- Edson Fachin
- Rosa Weber
- Dias Toffoli
- Luiz Fux
- Cármen Lúcia
Votaram contra:
- Cristiano Zanin
- André Mendonça
- Nunes Marques
Flávio Dino não votou, pois sucedeu a ministra Rosa Weber (aposentada), que já havia se posicionado sobre este assunto.
Dias Toffoli, que havia votado na sessão da última quinta-feira e tinha sido interpretado como divergente das teses dominantes — ser crime ou não ser —, complementou seu posicionamento no começo da sessão desta terça, consolidando a maioria pela descriminalização da maconha para uso pessoal.
— O meu voto se soma ao voto da descriminalização. Hoje (terça-feira) pela manhã Vossa Excelência (Barroso, presidente do STF) me perguntou como meu voto era para ser proclamado. Por isso, entendi por bem fazer essa complementação. Se eu não fui claro o suficiente, o erro é meu, de comunicador — explicou Toffoli.
Votaram na sessão desta terça-feira Luiz Fux e Cármen Lúcia, os dois pela descriminalização.
Quais são os argumentos favoráveis à descriminalização?
Os ministros favoráveis à descriminalização argumentaram que o uso de pequena quantidade de maconha é um direito de cada pessoa, com consequências individuais à saúde dos usuários. Também consideraram que o fato de o porte ser crime aumenta o encarceramento de pessoas vulneráveis.
Quais são os argumentos contrários à descriminalização?
Os ministros contrários avaliaram que a descriminalização do porte de maconha para consumo próprio pode estimular o vício e agravar o combate às drogas no país. Além disso, alegaram que a decisão do Supremo de tornar o ilícito administrativo pode criar uma lacuna sobre o tipo de punição e o responsável por aplicá-la.
O que motivou o julgamento no STF?
O julgamento foi motivado por um caso ocorrido em São Paulo, em que a Defensoria Pública questionou a condenação de um homem a dois meses de serviços comunitários pelo porte de três gramas de maconha. A defesa argumentou que o fato não implicaria em danos a bens jurídicos alheios ou à saúde pública, e pediu que o porte de maconha para uso próprio fosse deixado de ser considerado crime.
A ação questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, que estabelece ser crime "adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar".
O Congresso está debatendo o mesmo assunto?
A decisão do STF não termina os debates sobre o assunto. No último dia 12, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, por 47 a 17, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza a posse e o porte de entorpecentes.
O texto, que já foi aprovado no Senado, ainda precisa passar por uma comissão especial e, depois, pelo plenário, em dois turnos de votação, para tornar-se um dispositivo constitucional. Segundo a proposta, será crime a posse e o porte de qualquer quantidade de droga ilícita, como maconha, cocaína ou ecstasy.
De acordo com o texto de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), caberá ao juiz definir, de acordo com as provas, se a pessoa flagrada com droga responderá por tráfico ou será enquadrada como usuário.
No caso de ser enquadrado como consumidor, o ato ilícito continuaria representando crime e seria punido com as penas alternativas à prisão já definidas na Lei Antidrogas.
O que pensa a Polícia Civil do RS?
Fixar quantidade como principal parâmetro de diferenciação entre consumidores e traficantes pode ser um grande erro na visão do diretor do Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc), delegado Carlos Wendt.
— A lei vigente é clara sobre o tema. O que define é a conduta da pessoa. Vejo esta mudança com grande preocupação, pois pode gerar injustiças. Um usuário pode estar com quantidade maior e ser considerado traficante. Um criminoso pode manter em sua posse quantidades menores para não ser enquadrado — explica Wendt.
O delegado argumenta que a descriminalização também pode ser negativa para a sociedade, pois, em seu entendimento, derruba uma barreira que impede pessoas de aventurarem-se com a ilicitude dos entorpecentes. Há, segundo ele, um "pudor" em usar drogas sendo este ato um crime.
— O tráfico, que nós combatemos com muito empenho no Denarc, é o crime-mãe. Dele, derivam diversas formas de violência, desde crimes patrimoniais até homicídios. Além disso, consideramos a maconha, que é a droga que está em discussão, como uma porta de entrada para vícios mais nocivos à saúde — sustenta.
Para Wendt, não corresponde a ideia de que o uso de drogas produz malefícios restritos ao usuário. Ele analisa que a cadeia de violência que cerca o comércio ilegal traz impactos negativos para a segurança de toda a sociedade.